OPINIÃO: Socorro para o sistema financeiro

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 Por Judas Tadeu Grassi Mendes (*)

Para responder à pergunta que provoca este artigo - "Os Estados devem socorrer empresa privadas? - há necessidade de se esclarecer dois importantes pontos: se se trata de apenas empresa privada - seja ela ligada à produção de bens, seja mesmo um banco - ou se se trata do sistema financeiro como um todo. A resposta é totalmente diferente.

No primeiro caso, apenas uma empresa, o Estado não deve socorrer, e o prejuízo não pode ser socializado, mas apenas privatizado. No segundo caso, o de um sistema financeiro e que envolve toda a economia de um país e até mundial, como é o caso da atual crise financeira nos Estados Unidos, não intervir teria conseqüências negativas ainda maiores, com impactos sobre o emprego e a renda da população.

Não se trata, como alguns têm feito, de questionar o capitalismo, em que de um lado estão os defensores do intervencionismo estatal e do outro lado os "advogados" do mercado totalmente livre (o liberalismo). Para não entrarmos em erros grosseiros de visão, há necessidade de fazermos algumas observações para que o debate não seja distorcido. Keynes não foi, como alguns equivocadamente pensam, defensor irresponsável do intervencionismo estatal, mas apenas do Estado como indutor e investidor, estimulando a demanda agregada, uma vez que os segmentos privados (consumidores e empresários) estavam desanimados por conta da Grande Depressão nos anos 30. Um Estado investidor (coisa que não acontece no Brasil) em obras socialmente necessárias não tem nada a ver com um Estado puramente regulador e produtor.

Por outro lado, os defensores do livre mercado jamais negaram ou foram contra a possibilidade de regulação e intervenção estatal. A questão crucial, e que não vejo analistas abordarem, é a que tipo de mercado estamos nos referindo? Se estamos falando de mercado de bens e serviços (ou seja, de mercadorias), não há a menor dúvida de que o capitalismo de livre mercado, sem intervenção estatal, é o melhor caminho para a geração de riquezas. Não há no mundo nenhum exemplo que mostre o contrário. Porventura, existe algum país comunista com nível elevado de renda e de riquezas? O sucesso atual da China deve-se ao fato de o país se abraçar com a prática capitalista. O Produto Interno Bruto (PIB) mundial está ao redor de US$ 60 trilhões por ano e as exportações mundiais em torno de US$ 15 trilhões.

Acontece que o problema não está no lado da economia (real) de mercado de bens e serviços, mas no mercado financeiro, que se deslocou da economia real (a de mercadorias). Atualmente, gira no mercado financeiro internacional algo como US$ 1,5 trilhão por dia. É aqui que está o problema: o descolamento entre o mercado financeiro e o de mercadorias.

O mercado financeiro foi muito criativo ao implantar um sofisticado sistema de intermediação de capitais e de financiamentos, em especial por meio dos derivativos (instrumentos financeiros que servem para diluir o risco de um investidor). A crise atual é puramente financeira e originou-se no mercado imobiliário americano, e, aí sim, pelo falta de regulação, supervisão e controle dos bancos pelo Estado. Os bancos de investimento, por meio de uma alavancagem irresponsável, puderam rebaixar seus critérios de análise de risco, com o objetivo de elevar lucros, sem ser adequadamente fiscalizados. Essa alavancagem foi uma operação em que os bancos de investimento fizeram apostas no mercado cujo valor chegou a ser trinta vezes seu patrimônio - como foi o caso da agência Merril Lynch e do banco Lehman Brothers - quando o limite máximo de segurança para a alavancagem financeira recomendado internacionalmente entre a dívida e o patrimônio é doze vezes. É uma relação entre a dívida e o patrimônio do banco.

Como não se trata apenas de um banco, mas de um sistema (o financeiro), que tem conseqüências sobre toda a economia, não só dos Estados Unidos, mas do mundo inteiro, não há a menor dúvida de que, neste caso, o custo social do socorro financeiro pelo Estado é ainda menor do que simplesmente deixar que a situação chegue a uma quebradeira generalizada. Ainda mais sabendo-se que tudo passa pelo setor financeiro. É bom deixar claro que não se trata de doação de dinheiro público (que na verdade vem de impostos), já que o governo passa a ser credor das dívidas dos inadimplentes, pois as instituições financeiras carregavam títulos com garantias hipotecárias problemáticas.

O importante é que depois da crise teremos um sistema financeiro menor - bastando, para isso, que se limite a alavancagem na relação entre dívida e patrimônio em doze vezes -, mais compatível com a economia real, em um ambiente mais controlado, mais regulado. Em suma, para responder à questão proposta, o governo não deve socorrer quando se tratar apenas de uma empresa (um banco ou uma produtora de mercadorias), mas sim quando se tratar de um sistema (o financeiro) como um todo para evitar prejuízos ainda maiores. É fundamental a regulação do sistema financeiro pelo governo para coibir os exageros de banqueiros inescrupulosos.

(*) Economista e Diretor-Presidente da Estação Business School

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