OPINIÃO: Dívida elevada ameaça setor de agronegócios

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Não há dúvidas de que as perspectivas para o agronegócio em 2007 são muito mais favoráveis do que o ocorrido nos últimos anos, com uma recuperação importante de preços de alguns dos principais produtos da pauta brasileira. A médio e longo prazos, o panorama é muito favorável para o setor, dizem os especialistas. Estudo realizado pelo Ministério da Agricultura sobre o cenário agropecuário internacional nos próximos dez anos indica que o Brasil deve ampliar em muito – de 38% para 51% - sua fatia na exportação mundial de soja até o ano-safra 2015-2016. A participação do atual líder nesse ranking, os Estados Unidos, deverá cair de 48% para 27% no período, enquanto a Argentina continuaria no terceiro posto.

Infelizmente, porém, a grave crise do setor agropecuário dos últimos anos está deixando uma herança complicada e que exigirá muita habilidade do governo federal em tratá-la para que não se transforme em problemas ainda maiores para todo o país e para o caixa da União: a dificuldade é o aumento preocupante do endividamento dos produtores rurais. A recuperação dos preços agrícolas e a redução nos custos de produção, duas tendências esperadas para este ano, devem ser insuficientes para melhorar a rentabilidade do segmento de grãos e superar de vez a crise iniciada em 2004.

Como informou o Valor em sua edição do dia 28 último, levantamento recente do Ipea revela que a relação entre a dívida e o PIB do setor agropecuário saltou de 35,5%, em 2004, para 54,8% na projeção para 2006. Os dados, fornecidos pelo Banco Central, evidenciam um descontrole ao revelar que a média do endividamento dos últimos nove anos foi de 35,1%. Assim, fica claro que não foi apenas o câmbio desfavorável e a seca no Sul e parte do Centro-Oeste que levaram a uma das piores crises de renda do setor. No governo, já se admite a necessidade de uma nova renegociação dos débitos em 2007 e o setor privado tem se antecipado a qualquer iniciativa nesse sentido e já fez sondagens sobre a disposição de Brasília.

O estudo do Ipea indica um “excessivo endividamento”, sobretudo no crédito de investimento. Nesse caso, a relação dívida/PIB aumentou de 17,7% para 27,8% desde 2004. As dívidas do setor, após registrar um grande aumento no período recente do boom agrícola (entre 1999 e 2004) em função da elevação dos custos fixos da atividade via aquisição de máquinas, também sofreu um aumento adicional nos dois anos de crise (2005-2006). Isso ocorreu principalmente por causa da conversão das dívidas no mercado informal de crédito, estimadas em cerca de R$ 7,2 bilhões em débitos atrelados ao sistema oficial de crédito. O estudo do Ipea, do economista Gervásio Rezende, afirma que a atual crise financeira dos produtores rurais tem origem na soma do forte crescimento anterior da dívida agrícola e as obrigações financeiras decorrentes dessas operações. Outros dois fatores ajudam a compor esse cenário: a concessão de novos créditos – inclusive para permitir a quitação dos débitos contratados com as agroindústrias – e as sucessivas prorrogações dos pagamentos, inclusive dos juros.

Para os especialistas, a situação é mais grave no Centro-oeste, que enfrentou aumento de endividamento e preço e câmbio desfavoráveis nos últimos dois anos, especialmente no que se refere à soja. O Mato Grosso é o Estado que deve demorar mais para se recuperar, segundo estudo da Agroconsult, que mediu a capacidade futura de geração de caixa dos produtores rurais conforme a região. Segundo essa pesquisa, no Mato Grosso, a geração líquida de caixa deve ser de R$ 1,5 bilhão este ano, e os débitos estão estimados em R$ 4,3 bilhões.

Para superar a armadilha criada pela herança do pesada endividamento, os estudiosos defendem que o governo federal restrinja o “crédito farto” para investimento rural e o financiamento de máquinas pelas montadoras com fundos públicos. A receita parece simples, mas o que se viu ao longo dos últimos anos foi uma fortíssima pressão política do setor de agronegócios para a renegociação das dívidas – a qual os governos, inclusive o do presidente Lula, não quis ou não pode resistir, com prejuízos importantes para os cofres públicos. Há que se pensar em outra solução. (Opinião – Jornal Valor Econômico, página A10, 12, 13 e 14 de janeiro de 2007)

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