Antônio Ernesto de Salvo (*)
Defender os
produtores rurais brasileiros nos diferentes governos, independente de
suas diversidades ideológicas, tem sido um eterno exercício
da frustração. Temos enfrentado invariavelmente os mesmos
ciclos, e a agropecuária nacional segue, aos trancos e barrancos,
rumo ao seu inevitável destino de expansão e produtividade.
As políticas públicas destinadas à regulação
e desenvolvimento da atividade não têm nenhum sentido estratégico.
Os governantes, de qualquer matiz, não se deram conta do tamanho
que o setor rural da economia brasileira pode ter.
A soja do Centro-Oeste cresceu sem passes de mágica. O complexo
soja passou a exportar US$ 9,5 bilhões por ano. Qual foi o programa
de apoio público que levou isso a acontecer? Nenhum, zero. Tudo
ocorreu a despeito do Ibama, das invasões de terras, da inexistência
de infra-estrutura. Foi o doido do gaúcho que se embrenhou nesse
norte do país. Foi a pesquisa brasileira, que tinha a semente apropriada.
Qual é o programa que o Brasil implementou para ser o maior exportador
de carne do mundo? Nenhum, zero. O tal crédito favorecido de 8,75%
de juros praticamente não existe para a pecuária, enquanto
a concorrência externa recebe crédito de 3% a 4% de juros
ao ano, além de altos subsídios. Sem apoio nenhum, o pecuarista
brasileiro melhorou sua tecnologia, aprimorou e expandiu seus rebanhos.
É como se a seleção agrícola brasileira tivesse
que disputar o campeonato mundial entrando em campo sem chuteira, sem
técnico e sem massagista.
E se isso mudar? E se alguém entender o que o mundo inteiro sabe
e teme? Se os assuntos importantes que nos perseguem -fundiário,
indígena, ambiental e trabalhista - forem administrados sob a ótica
do desenvolvimento nacional, atendendo aos interesses brasileiros, ao
legítimo anseio de justiça social, sem se curvar às
conveniências dos tolos, dos que têm boa-fé, mas não
conhecem o assunto, dos que seguem as idéias das marionetes nacionais?
O cenário é de abandono, fundamentado no ranço ideológico,
no total desconhecimento dos temas do setor, na desigualdade de tratamento
em relação aos demais segmentos da economia e à concorrência
externa. Ainda assim, a balança comercial brasileira não
entra no vermelho porque a balança agropecuária equilibra
o jogo.
Mas, e se isso acabar? Ou se esse quadro melhorar, com os ministros da
agricultura passando a ter o amparo das áreas financeiras dos governos?
Dan Glickman, secretário de Agricultura dos EUA no governo Clinton,
indagou certa vez que hospital em que país do mundo poderia ombrear
com os resultados obtidos pelo aprimoramento genético de uma variedade
de trigo desenvolvida pelo agrônomo norte-americano Dillman Bullock,
cujo consumo poupou 100 mil mortes por ano por inanição
na Índia e no Paquistão.
O questionamento demonstra, na prática, o potencial do setor em
termos de resultados socioeconômicos. Serve também para avaliar
a dimensão e o alcance das conseqüências da já
anunciada crise do setor agropecuário. Os custos da atividade aumentaram
consideravelmente, e as produções são menores devido
à baixa remuneração da atividade. O que se vê
é um enorme desacerto na cadeia produtiva, que se apropria dos
ganhos obtidos com o crescimento do setor. A agricultura cresceu, apresentou
resultados, sustenta a balança comercial, mas o agricultor ficou
mais pobre. Contribuem para esse quadro a excessiva tributação,
a falta de infra-estrutura e a informalidade. A agropecuária gera
US$ 38,4 bilhões de superávit na balança comercial,
equilibra as despesas do país, mas não fecha a conta de
quem produz. Não há mecanismos de financiamento e fomento
para a manutenção da renda do produtor.
A agricultura está ficando tão cara e tão mesquinha
na remuneração do trabalho do agricultor que o processo
constitui um perverso sistema de exclusão. Os menos eficientes
são expulsos, e os que restam continuam enxergando o fim dos seus
negócios num horizonte muito próximo. As ações
oficiais começam a produzir um contingente de novos produtores
rurais que logo se tornarão desamparados e sujeitos às mesmas
agruras dos outros mais antigos -certamente ainda mais vulneráveis,
pela pequena dimensão de suas economias e pela pobreza da gerência.
A parte sadia do setor é dinâmica, moderna e competitiva,
com resultado econômico-social surpreendente para um país
que optou por crescer sem investir em nenhum tipo de política pública
constante e definida. O modelo em vigor distribui a renda ao longo das
cadeias produtivas, sacrificando o elo da produção.
Seria de utilidade estratégica para o Brasil dedicar mais esforço
e matéria cinzenta política para que o setor continue a
crescer de forma mais sadia. Aí, talvez, houvesse recursos para
escolas, hospitais, estradas, portos e, quem sabe, até pudéssemos
trocar o que sabemos produzir pelos aviões de caça de última
geração que a FAB precisa e pela televisão digital
japonesa, que faz o papel do circo onde nem sempre há pão.
*Antônio
Ernesto de Salvo, 72, fazendeiro, engenheiro agrônomo, é
presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária
do Brasil (CNA).
Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 1º de março
de 2006, página A3.
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