GRÃOS II : Seca traz prejuízo ao campo e à cidade
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O retorno das chuvas após dois meses de estiagem aliviou a situação das lavouras de verão do Paraná. Em algumas regiões do estado, contudo, os problemas estão apenas começando. Fortemente dependentes da produção primária, muitos municípios paranaenses ainda sentirão os efeitos da quebra ao longo de todo o ano.
Em 160 (40%) dos 399 municípios paranaenses a agropecuária básica - produção primária - gera mais de 30% das riquezas locais, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o caso de Renascença, no Sudoeste do estado. A agricultura de grãos é a base da economia do município de 6,9 mil habitantes localizado na divisa com Santa Catarina. Em 2006, segundo o IBGE, 30,3% do PIB municipal veio de atividades de dentro da porteira.
Perdas - Neste ano, cerca de 40% da produção global de soja, milho e feijão da região foi perdida com a seca,conforme o núcleo regional de Francisco Beltrão da Secretaria Estadual da Agricultura (Seab), que atende Renascença e outros 26 municípios da microrregião. "Os prejuízos são estimados em R$ 390 milhões", calcula o técnico da Seab, Antoninho Fontanella. Somente Renascença perdeu cerca de R$ 27 milhões, conforme avaliação da administração municipal, que considera principalmente o impacto nas culturas de feijão, soja e milho.
Coasul - A Coasul, cooperativa com sede em São João (Sudoeste) e entreposto em Renascença, espera movimentar entre 80 e 100 mil toneladas de milho neste ano, até 40% menos que o previsto inicialmente. "Na soja ainda não dá para prever porque ainda dá para recuperar parte das perdas. Por enquanto, a expectativa é movimentar entre 250 e 300 mil toneladas", explica o técnico Adriano Bressiani Machado. No ano passado, ciclo de safra cheia, a Coasul teve faturamento recorde de mais de R$ 352 milhões.
Arrecadação municipal - "Com menos dinheiro circulando, cai a arrecadação municipal", diz Paulo Deola, técnico da Secretaria da Agricultura de Renascença, sem estimar o tamanho dessa queda. Além de Renascença, a economia de outros 183 municípios (45% do total do e stado) em que a agropecuária participa com 10% a 30% no PIB também serão prejudicados. A queda da renda no campo tem efeito cascata sobre as economias regionais baseadas na agropecuária, explica o coordenador de análise conjuntural do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), Julio Suzuki. "Afeta a indústria, o setor de serviços, o emprego, a renda da população...", enumera.
PIB - Nos demais 55 municípios (14%) do estado, a produção primária responde por menos de 10% do PIB. Esse porcentual, apesar de aparentemente pequeno, é superior tanto à média nacional quanto à estadual. No Brasil, o campo participa com 5,5% na geração de riquezas, conforme o IBGE. No Paraná, um dos estados mais agrícolas da federação, essa relação é de 8,7%.
Campo Mourão - Nesse grupo de municípios está Campo Mourão, no Noroeste, onde apenas 3% do PIB vêm da agropecuária. Mais isso não quer dizer que irão fugir dos impactos da quebra da safra. A prefeitura projeta queda de 18% a 20% na arrecadação em 2009. "O impacto da estiagem nas contas públicas só não será maior porque o município, apesar de agrícola, é muito agroindustrializado", explica o secretário municipal da Fazenda, Altair Cazarin, lembrando da recente instalação no município do grupo norte-americano Tyson Foods, maior processador de carnes do mundo.
Impactos na cadeia produtiva - Com menos dinheiro no bolso, o produtor não só reduz área e tecnologia. Também adia a compra de uma nova pick-up, por exemplo. Vendendo menos, a concessionária desiste da reforma do pátio. Com menos trabalho, o empreiteiro autônomo também compra menos. A estiagem tem impacto diferente em cada um dos elos da cadeia do exemplo acima. Para as prefeituras, significa queda na arrecadação. E, assim, a estiagem, que era problema do campo, passa a ser um problema também na cidade.
Comércio de pequenas cidades é abalado pela seca - A falta de chuva por cerca de 40 dias nas lavouras de milho, feijão, soja e nas pastagens da Região Sudoeste do Paraná está comprometendo não somente a renda dos produtores, mas também o comércio das pequenas cidades. Em Renascença, um dos municípios mais afetados pela estiagem e um dos primeiros a decretar estado de emergência, o giro da economia está comprometido.
Base da economia - A produção primária é a base da economia do município, que é ocupado por pelo menos 85% de pequenos produtores. A limitação do uso de tecnologia na produção, somada ao solo arenoso, resultou em perdas significativas para esses pequenos agricultores. A maioria deles viu o trabalho de uma safra evaporar sob o sol quente, e recorreu ao seguro Proagro. Embora o estrago tenha sido comprovado inicialmente no feijão, no milho e na produção de leite, a previsão de quebra na soja deixa os comerciantes ainda mais receosos.
Falta de dinheiro - Para o presidente da Associação Comercial e Empresarial de Renascença (Aciren), Gilmar Schmidt, que é proprietário de uma mecânica, o pânico da falta de dinheiro atingiu em cheio o comércio. Ele relata que as vendas estão caindo e a inadimplência está aumentando, mas acredita que a situação mais crítica ainda esteja por vir. "Quando esse pessoal colher e verificar que a produção mal dá para pagar os bancos e as agropecuárias, aí sim o bicho vai pegar. O custo das lavouras foi muito alto nesta safra de verão, e quem vai sofrer com isso agora é o comércio. Os empresários precisam ficar atentos para não ter que fechar as portas por falta de giro", alerta Schmidt, prevendo que abril será o pior mês por ser período de pagar os custeios. A sugestão dele para evitar a quebradeira do comércio é limitar as vendas a prazo e saber para quem dar crédito.
Seleção de clientes - A seleção de clientes para fornecer crediário é uma das opções adotadas por Eloir Daponte, proprietário de um supermercado da cidade. Além disso, para evitar maior volume de inadimplência, ele recorre ao mais antigo sistema de comércio, o escambo, trocando suas mercadorias por produtos agropecuários. "Cito o exemplo do feijão preto, que o pessoal da cidade acaba comprando por ser novo. O sabor é bem melhor", relata. O comerciante mostra um maço de cheques sem fundo e diz que adotar estratégias é necessário para conseguir manter as contas equilibradas. "Minhas vendas caíram cerca de 20%. Se somar os ‘cheques frios', começa a assustar. Os problemas só não são maiores porque a bacia leiteira no município é forte, e todo mês entra um dinheirinho para os agricultores", constata. (Caminhos do Campo / Gazeta do Povo)