Especialista em agronegócio faz análise da conjuntura econômica e destaca crescimento do setor
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Em entrevista ao Paraná Cooperativo, o engenheiro agrônomo e economista,
Alexandre Mendonça de Barros faz uma análise da conjuntura econômica
do País, destacando os excelentes resultados obtidos pela agricultura
brasileira. Apesar do balanço positivo, ele faz um alerta, afirmando
que o setor agrícola deve continuar crescendo, mas num ritmo menos intenso
do que o verificado nos últimos anos. Mesmo assim será uma expansão
expressiva, disse. Mendonça de Barros, que na semana passada foi um dos
conferencistas do Fórum Financeiro realizado em Curitiba, pelo Sistema
Ocepar/Sescoop-PR, é professor da Escola Superior de Agricultura Luiz
de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba.
Entrevista:
PR - Qual sua expectativa em relação à agricultura brasileira
para este final de ano e também para o próximo?
Alexandre M. de Barros - Houve uma mudança no cenário
nesse último mês, muito favorável ao Brasil. Nós
estamos tendo muita sorte. Alguns anos positivos, seja pela desvalorização
do câmbio, que favoreceu os preços, que são todos referenciados
em dólar, seja porque os preços internacionais estão num
patamar relativamente positivo. Até uns dois meses atrás, ou desde
o começo do ano, na verdade, eu particularmente vinha meio preocupado
com o ritmo de expansão da nossa agricultura, especialmente no caso da
soja. Nós aumentamos extraordinariamente nossa produção
nos últimos anos, assim como os argentinos. Portanto, este ano é
um ano interessante do ponto de vista de análise, porque pela primeira
vez a América do Sul (Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai) superou
a produção norte-americana. Assim, nós estamos virando
o principal centro de formação de preço de soja no mundo.
Neste último ano, o crescimento da produção de soja no
Brasil foi da ordem de 20% - é uma expansão extraordinária,
mas que levanta uma dúvida pertinente: existe demanda para tudo isso.
E com relação ao preço da soja?
Alexandre M. de Barros - Nós achávamos que o Brasil
enfrentaria no próximo ano um nível de preço um pouco inferior
ao que enfrentamos nos últimos dois anos. Na verdade ainda existe um
preço remunerador na nossa cabeça, só que um degrau abaixo
do que vinha sendo praticado. Isso, aliado a questão da demanda, é
uma preocupação e deve seguir sendo do ponto de vista de longo
prazo. O Brasil, estrategicamente, tem um papel fundamental no mercado internacional.
Temos um potencial de crescimento e vamos continuar crescendo aceleradamente,
mas não nas taxas que a gente vinha observando. Uma coisa é crescer
20% quando você produz 30 milhões de toneladas, e uma coisa é
você crescer 20% quando você produz 52 milhões de toneladas.
Esse padrão de expansão está um pouco em xeque. Por outro
lado, fomos muito favorecidos com os relatórios do Departamento de Agricultura
dos Estados Unidos (USDA) divulgados no último mês, principalmente
no contexto internacional. A safra norte-americana, de soja especialmente, mostrou
uma quebra considerável. Agora precisamos olhar com mais cautela, já
que esses relatórios vão e vem um pouco. O relatório do
USDA deu uma guinada muito expressiva, e rara. É incomum ver sair 6 milhões
de toneladas das projeções. Mas isso favoreceu e vai favorecer
muito nossa situação. Nós acreditávamos que a expansão
da nossa safra seria de uma magnitude um pouco inferior desse último
ano, mas ainda assim seria expressiva. Com a expectativa de uma produção
adicional que os Estados Unidos vinham esperando (o que não se confirmou),
nós trabalharíamos com um cenário de preços menos
favoráveis. A situação agora se inverteu.
A seca também atinge outras culturas, não somente nos Estados
Unidos, mas também na Europa. O senhor acredita que o Brasil pode ser
beneficiado com isso?
Alexandre M. de Barros - Se a gente olha para o milho, por exemplo, é
a mesma coisa, pois essa seca também está batendo lá fora,
atingindo fortemente a Europa. Isso deve sobrar para trigo também. Então,
de um modo geral, pelo componente preço internacional, que é aquele
que referencia nossos preços, nós enxergamos um horizonte muito
favorável para o próximo ano novamente. É certo que aí
vai depender um pouco em que câmbio as pessoas compraram seus insumos.
Teve gente que comprou no começo do ano, com um câmbio a R$ 3,50,
teve gente que consegui comprar a um câmbio de R$ 2,80. A forma com que
foram comprados estes insumos, varia muito, somente com estas informações
é que se pode calcular a rentabilidade do negócio. Talvez não
vamos atingir uma rentabilidade como nós observamos no último
ano, mas eu acredito que vamos ter assegurado uma rentabilidade muito favorável.
Como o senhor acha que a taxa de câmbio deve se comportar?
Alexandre M. de Barros - Do ponto de vista macroeconômico,
a indicação que pelo menos a gente consegue enxergar, é
que a taxa de câmbio vai seguir nesse patamar, de R$ 3,00 a R$ 3,20, R$
3,30, chegando ao final do ano algo em torno de R$ 3,10 e R$ 3,15. Estabilizará
mais ou menos por aí e no próximo ano a gente segue num patamar
provavelmente acima dos R$ 3,00. É evidente que ninguém tem bola
de cristal, é difícil prever, principalmente quando se fala em
economia. O fluxo de capital é muito rápido e as coisas podem
mudar. A gente tem que estar atento, por isso que esse acompanhamento de mercado
é muito importante de ser feito. Fazer uma previsão em um ano
num mercado cambial tão volátil como o nosso é quase um
sonho. Mas de qualquer forma, nós entendemos que pelo o que o Brasil
tem de compromissos em dólar e o que a gente espera receber de ingresso
de dólares, possa gerar um patamar de câmbio na casa de R$ 3,00
para cima, o que também nos ajuda, num certo sentido, no componente de
formação de preços.
Mas nem tudo foi bom para agropecuária nos últimos anos, como
para o setor de carnes, por exemplo?
Alexandre M. de Barros - Realmente, então vamos pensar
um pouco em carnes, que é o setor que sofreu muito no ano passado. Agora,
o que imaginamos é o seguinte: do ponto de vista macroeconômico,
a lição do ano passado, que apertou muito o pecuarista, o criador,
é que a maior parte da nossa produção é vendida
no mercado doméstico. Portanto, o grosso do processo de formação
de preços é no mercado doméstico e conseqüentemente
dependente da renda das pessoas. Por outro lado, o Brasil vem aumentando consideravelmente
o volume de exportação de carnes. Entretanto, essa parcela ainda
é de 20%, dependendo do tipo de carne que se está trabalhando.
Quando você pega preços comprimidos porque a renda estava baixa,
associada a um câmbio que desvalorizou e puxou o preço do milho
para cima a coisa fica preocupante. Nós passamos a ter como referencial
o milho no mercado internacional, graças às exportações,
especialmente aquelas realizadas pelas cooperativas do Estado do Paraná.
Nesse momento você introduziu o risco cambial para o produtor de carnes.
E conforme o câmbio desvalorizou e deve seguir assim, puxa para cima um
pouco o preço do milho. Então, temos que estar preocupados com
duas variáveis. Para onde vai o preço do milho e para onde vai
o consumo.
O milho tem uma relação direta nesse mercado?
Alexandre M. de Barros - Essa é uma questão que
levanta um ponto de interrogação, porque ainda é muito
cedo para falar sobre isso. Mas dá para a gente imaginar o seguinte quadro:
na entrada do nosso plantio, o preço da soja, relativamente ao do milho,
dada a escassez nos Estados Unidos, vai provavelmente favorecer o mix de aumentar
um pouco a produção de soja em detrimento do milho. Esse é
um elemento que nós temos que ter uma certa cautela, eventualmente haverá
alguma escassez de milho. E um segundo aspecto para pensarmos para o próximo
ano, é que este ano essa oferta adicional de milho que entrou foi extraordinária
- nós tivemos uma safra enorme, de 45 milhões de toneladas -,
também se deve a um clima muito favorável. E aí voltamos
ao ponto de interrogação. Fica então uma certa perspectiva
de uma tendência de alta no preço do milho, o que tira um pouco
do setor carnes. Mas por outro lado uma demanda mais aquecida, o que é
muito importante para o País. Então, é um setor que vai
estar sempre entre dois movimentos: de um lado o poder de compra do consumidor
e por outro lado o que a taxa de câmbio vai poder fazer com os preços
domésticos, em especial o do milho. Com relação a questão
milho, gostaria de lembrar que o Paraná pode no futuro bem próximo
se tornar um grande exportador deste produto, principalmente se a legislação
americana em exigir a adição de álcool na gasolina, o qual
é extraído do milho, com certeza faltará este produto no
mercado mundial e hoje o estado do Paraná, devido toda sua infra-estrutura
de rodovias, porto e logística será beneficiado.
Essa visão extremamente positiva é basicamente em decorrência
da balança comercial. Agora, a tendência é que algumas categorias
econômicas entrem num processo de negociações salariais.
Isso também traz um cenário favorável no final do ano?
Alexandre M. de Barros - Na nossa cabeça é isso.
A gente já vem apontando a produção industrial, que pela
primeira vez reagiu na direção de aumento. Como os juros estão
caindo e devem seguir caindo até o final do ano, com uma trajetória
de queda também no próximo ano, acredito que a economia irá
se reaquecer e já está mostrando sinais de vitalidade. Esse processo
de reaquecimento já começa a acontecer. Reaquecendo, implica em
contratar mais gente e renegociar o salário de quem já está
empregado. Como a economia é um círculo virtuoso, começa
uma coisa puxar a outra e isso viabiliza uma transferência de um aumento
no salário, pelo menos alguma recomposição. A inflação
caindo confere um maior poder compra ao assalariado, situação
que deve se estender para o próximo ano.
Isso também representa um crescimento industrial, mais investimentos
no País?
Alexandre M. de Barros - Um ponto importante a se chamar atenção,
é que há um ciclo de crescimento através do consumo e através
da ocupação da capacidade ociosa da indústria. Porém,
nós ainda não estamos enxergando um ciclo de investimentos. Isso
é um ponto muito fundamental, pois para dar uma dimensão, o Brasil
este ano está recebendo algo em torno de US$ 7 bilhões de investimento
externo direto. Nós tivemos há dois anos, US$ 30 bilhões.
Disputávamos com a China que era o principal país de atração
de capital. Hoje nós estamos em nono colocado. De um modo geral, nunca
houve nos últimos anos uma taxa de investimentos na economia brasileira
tão baixa. E isso é uma preocupação, porque mostra
o seguinte: no próximo ano estamos vendo um crescimento da economia puxado
pelo consumo e pelas exportações, o que alavanca a produção,
mas não estamos vendo esse outro lado, que seria o puxado pelos investimentos.
Isso ainda trará duas implicações importantes: primeiro,
fica um ponto de interrogação sobre a sustentabilidade do investimento,
pois crescimento sustentável pressupõe investimento sistemático,
aumentando a capacidade produtiva.
Essa situação tem reflexos na agricultura?
Alexandre M. de Barros - Isso tem uma implicação
grande para a agricultura. A ausência de investimentos desse ano, por
exemplo, já vem refletindo na nossa necessidade de infra-estrutura. Escoar
produto agrícola e produzir 6 milhões de toneladas a mais de soja
implica em carregar essa soja de todos os lugares de onde ela está sendo
gerada e produzida, especialmente no Norte do País, e trazer isso para
os portos. Ainda tem o problema das estradas, que estão se deteriorando,
ao mesmo tempo em que a produção vai aumentando e de fato nós
vamos ter problemas de infra-estrutura no futuro. Vai ser muito sério,
não é problema pequeno. Porém, o Paraná encontra-se
numa posição muito privilegiada na minha visão. O custo
de nossa ausência de infra-estrutura é muito menos sentido no Paraná
do que nos estados no Norte. Então, num certo sentido, o benefício
desses preços favoráveis no mercado internacional vai ser fortemente
sentido no Paraná.
A que você atribui esse sucesso do desenvolvimento desse ano, com
essa boa safra e aumento das exportações, mesmo sendo um ano de
transição política?
Alexandre M. de Barros - Temos que reconhecer que houve, do ponto
de vista da agricultura e da economia, muita consistência. Do ponto de
vista da agricultura, foi extraordinário. Eu pessoalmente fiquei surpreso,
não esperava que certas políticas, e políticas importantes,
fossem sustentadas. Nós assistimos um plano de safra muito favorável,
com o aumento dos recursos na ordem de 25%. É claro que existem problemas
operacionais, pois a troca de comando, de governo, troca a máquina e
esse recurso acaba ficando meio lento. Um outro ponto que me parece fundamental
foi a preservação do Moderfrota. No fundo é um capital
baixo, para recompor um estoque de máquinas antigo e que é fundamental
para manter a capacidade de crescimento do setor agrícola. Essas duas
pernas são muito importantes, pois foram elementos que de fato surpreenderam.
De um modo geral, essa preocupação da macro da agricultura foi
muito bem conduzida. Porém, têm questões ainda polêmicas,
como a dos transgênicos, que ainda não está clara. Também
existem posturas divergentes dentro do governo, assim como existem posturas
divergentes sobre qual é o marco regulatório para o crescimento.
A nossa agricultura entrou numa rota fenomenal de crescimento. É claro
que possivelmente vai ter alguma barrigada, pode desacelerar um pouco, mas não
há dúvida de que o Brasil tem um papel grande e central no suprimento
da produção internacional. Acredito muito nisso, não acho
que é sonho. Mas dado que o setor público perdeu a capacidade
de investir, nós precisamos criar alguma coisa para o setor privado também
entrar o jogo. Claro que resgatar um pouco da capacidade de investimento no
setor público é fundamental, mas também não há
dúvida de que isso precisa ser complementado pelo setor privado. E para
isso, é preciso ter regras claras.
Uma rápida análise da recente rodada da OMC, em Cancun?
Alexandre M. de Barros - É preciso olhar com cuidado. Toda
essa negociação tem um amplo espectro de temas. Não é
só a agricultura, embora a agricultura seja um tema central. Tem toda
a discussão de compras do governo e de investimentos, que aparentemente
foi o que gerou a confusão final de o processo não ter se consolidado.
Acho que aí tem várias coisas para a gente abordar. Dá
para fazer várias leituras. Uma coisa que me parece importante é
que o Brasil marcou posição. Virou uma liderança, mudou
o perfil de conversa com os americanos e europeus, num patamar que eu acho importante.
Isso quer dizer, que não dá para sub-escrever tudo que as grandes
potencias vão fazer, por uma razão muito simples, é muito
injusto! Quer dizer, abre-se o mercado para os produtos industrias, mas continuamos
fechados para o mercado de produtos agrícolas. Isso é uma hipocrisia
que não tem tamanho. Aí, começa a se criar raciocínios
para justificar o injustificável. Nesse sentido, o Brasil fez um excelente
trabalho, admirável do ex-ministro Pratini (Pratini de Moraes) e que
o ministro Roberto Rodrigues vem fazendo com maestria, dando sua continuidade.
Agora, por outro lado, a gente às vezes tinha uma certa ilusão
que estaria mudando a postura de europeus e americanos com relação
aos subsídios. Os americanos ameaçaram no passado e na verdade
a gente percebe que isso é muito enraizado. Assim, acho difícil
sonhar que vamos ter prioridade sobre esses outros países.
E os subsídios norte-americanos?
Alexandre M. de Barros - Do ponto de vista dos norte-americanos,
eles tem um lado importante que o subsídio tem para toda a estrutura
de ativos da agricultura deles. O preço da terra, num mercado perfeito
traduz o valor presente da renda que ele gera. Na agricultura norte-americana,
muito da renda que é gerada depende do subsídio. Portanto, está
incorporado no preço dos ativos, no valor da terra, o retorno imposto
pelo sistema de subsídio. Agora, o que resta para gente? Você abaixar
a cabeça e esperar se abre uma determinada brecha? Ou de fato enfrentar
essa situação e dizer que se a gente vai negociar como dois parceiros,
se você quer que a gente abra certas coisas, só que nós
também precisamos ter a mesma abertura. É um caminho de duas mãos.
Nós estamos conseguindo, mesmo com todas as restrições,
ampliar nossa participação externa, porque somos muito competitivos.
Acho que o mercado do Oriente é onde temos um espaço respeitável
para ocupar e estamos conseguindo crescer nesse mercado. No fundo nosso espaço
está aí. Vamos crescendo mais nesses lugares e brigando com os
grandes. Se porventura abrir, aí nós temos um caminho muito grande.
Pois aí estamos falando de um volume expressivo de consumo e é
inegável que nossa agricultura é muito mais competitiva.