Especial: A crise anunciada

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Com esta manchete a revista semanal, Carta Capital traz em sua última edição uma reportagem de duas páginas onde aborda o estudo realizado pela Ocepar sobre algumas previsões de dificuldades para a safra de verão 2004/2005 que está sendo colhida. Entre os diversos indicativos do estudo, aponta para uma queda vertiginosa nos preços dos commodities, destacando-se uma possível redução no preço da soja no mercado internacional em aproximadamente 37%, do milho em 30%, algodão em 40% e no trigo em 17%.

Pacote de medidas dá alívio emergencial ao agronegócio. Falta é a política pública

Por Amália Safatle (*)


Quem te viu, quem te vê. De mola propulsora da economia, salvação da lavoura do balanço de pagamentos e exemplo do Brasil que dá certo, o agronegócio, representado pelos produtores rurais, pediu água. Ameaça de caminhonaço em Brasília, protestos nas estradas, reuniões emergenciais com ministros e governadores, tudo amparado por estudos recheados de números preocupantes. Terá sido uma peça pregada pelo destino? Há quem acredite tratar-se de mais um exemplo de falta de planejamento no País. “Eu não diria que os produtores foram pegos de calças curtas. Infelizmente no Brasil não existe política pública para minorar esse tipo de problema certamente previsível”, afirma Pedro de Camargo Neto, conselheiro e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira.

Em caráter emergencial, o Ministério da Agricultura soltou na quarta-feira 2 um pacote de medidas para dar algum fôlego aos produtores e evitar uma crise de maiores proporções. Entre as medidas, a prorrogação de empréstimos tomados junto ao BNDES por produtores de soja, milho, trigo, algodão e arroz no valor de R$ 2,62 bilhões, além da liberação de R$ 1,5 bilhão para financiamento a custeio (compra de sementes e adubo), investimento e comercialização. O problema previsível a que se refere Camargo Neto é uma conjunção de fatores que se abateram sobre o campo, e será traduzida em queda de 16% na renda deste ano – ainda que a colheita de grãos, em volume físico, bata novo recorde pelo oitavo ano consecutivo. Isso sem que a maioria dos produtores tivesse aproveitado os ventos a favor, que sopraram com força em 2003 e até parte de 2004, para de alguma forma se precaver contra a sombria combinação que começou a se formar nos céus do agronegócio desde meados do ano passado, cercando-o de todos os lados. A valorização do real reduziu a renda das exportações.

A alta do petróleo e a maior demanda internacional por minérios, matérias-primas para a produção de fertilizantes químicos, encareceram os insumos usados pelos produtores. A queda na cotação das commodities agrícolas, muito influenciada pela supersafra da soja norte-americana em setembro, reduziu a receita de exportações. A elevação dos custos portuários no Brasil achatou mais ainda os lucros. A alta de 80% no preço internacional do aço, de que são feitas as máquinas agrícolas fabricadas no Brasil, foi repassada ao consumidor, também elevando custos. E a seca no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e em parte do Paraná quebrou em 35% a safra de soja dos produtores sulistas. A seca é atribuída ao efeito estufa: meteorologistas têm avisado que o aquecimento da temperatura global reduz, desde o ano 2000, a massa de umidade que vai da Amazônia à Região Sul. Seguros climáticos ainda não existem no Brasil: os caprichos da natureza são por conta e risco do produtor. Segundo José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, a quebra da safra no Sul e a previsão de redução na área plantada da próxima safra norte-americana já elevaram em 20% os preços futuros da soja na Bolsa de Chicago em fevereiro, ultrapassando a cotação de US$ 6 o bushel (equivalente a 27,21 quilos). “As cotações do café e do açúcar também estão subindo e os preços da soja já não se mostram tão negativos quanto em dezembro.

No entanto, temos pouco a comemorar porque a soja está longe de chegar ao patamar de 2004”, diz Castro. Tânia Tozzi, analista do mercado de grãos da consultoria Rural Business, lembra que em março de 2004 o contrato futuro da soja passou de US$ 10 o bushel. Foi a quarta vez na história recente da Bolsa de Chicago que o preço ultrapassou a barreira dos US$ 10. “Além disso”, continua Castro, “não contamos mais com a taxa de câmbio do ano passado, favorável às exportações”. Dos 5,2% do PIB obtidos em 2004, 1,1 ponto porcentual deveu-se a exportações, e 4,1 pontos ao consumo interno. De acordo com Getúlio Pernambuco, chefe do departamento econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o PIB da atividade primária da agropecuária brasileira caiu 0,87% no ano passado, em relação a 2003, para R$ 160,65 bilhões. “Essa queda é sinônimo de dificuldades para 2005, especialmente quanto à comercialização da nova safra. Isso porque os produtores estão menos capitalizados e, em paralelo, os preços médios das commodities ainda não apresentaram recuperação”, diz. Exemplo: o preço da saca de soja passou de R$ 44 no início de 2004 para R$ 22 hoje, valor que nem chega a cobrir os custos de produção, equivalentes a R$ 30 por saca. O mesmo ocorre com o algodão em pluma e o arroz irrigado. Já o conjunto todo do agronegócio, que além da produção primária soma os setores de insumos, da indústria e da distribuição, cresceu de R$ 520,68 bilhões para R$ 533,98 bilhões. Isso mostra que houve transferência de renda do setor rural para os demais setores. “Se mantida essa perda de renda do produtor, toda a cadeia produtiva do agronegócio será afetada no médio prazo, pois haverá redução no número de empregos, no uso de fertilizantes e na compra de máquinas e implementos”, diz Pernambuco. “O agronegócio vai bem, o que hoje não vai bem é um de seus elos, o dos produtores”, afirma Macel Caixeta, diretor-presidente da Federação de Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) e membro da CNA. Segundo Caixeta, diante da bonança do agronegócio verificada até meados de 2004, os que vendem insumos aumentaram suas tabelas, enquanto a outra ponta, formada por multinacionais e tradings, achataram os preços.

Um documento preparado pelo Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar), enviado ao presidente Lula na segunda-feira 28, prevê para este ano queda de 48% no valor das exportações de soja (grão, farelo e óleo), trigo e milho, em relação a 2004 . Nelson Costa, superintendente-adjunto da Ocepar, explica por que não foi tão fácil, em 2004, evitar a situação que se formaria em seguida. Os preços das commodities são cíclicos, ou seja, períodos de alta sucedem os de baixa. Na baixa, produz-se menos, o que reduz a oferta e eleva os preços. A alta estimula a retomada dos programas de plantio, o que eleva a oferta e derruba novamente os preços. “O que não esperávamos era um ajuste tão rápido para o ciclo de baixa dos preços. O que contou aí foi o fator China”, diz Costa. Relembrando: em abril do ano passado, quando o Brasil se preparava para uma ambiciosa missão comercial à China, navios carregados com soja foram proibidos de desembarcar nos portos chineses, sob a alegação de que a carga estava contaminada por fungicidas. Pouco tempo depois, percebeu-se que a manobra chinesa foi a forma encontrada para romper contratos firmados em 2003, a um preço mais alto que o vigente.

Em maio, o governo chinês proibiu as importações de soja brasileira. “Quando isso aconteceu, vimos que a China tinha muito mais soja armazenada do que se imaginava, o que jogou as cotações internacionais no chão”, explica. Difícil de prever ou não, a situação de hoje parece reprisar um filme já visto em meados da década de 90, quando o setor agrícola foi sacudido pelo câmbio de Gustavo Franco. A grande preocupação era o controle inflacionário e o governo lançou mão da chamada âncora verde para segurar preços, via importação de alimentos. Hoje não temos a âncora verde, mas uma âncora cambial e um presidente de Banco Central chamado Henrique Meirelles.

(Jornalista da Revista Carta Capital - Edição Março-2005)

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