DESINDUSTRIALIZAÇÃO NA AGROINDÚSTRIA

  • Artigos em destaque na home: Nenhum
Artigo escrito por Alencar d?Avila Magalhães (*)

A produção brasileira de grãos de soja atingiu 38 milhões de toneladas em 2001, representando 40% de toda a produção de grãos do País. No ano de 2000, as exportações brasileiras de grão, farelo e óleo de soja atingiram US$ 4,1 bilhões, respondendo por 8% da receita de exportação do País. Constata-se, portanto, que o complexo soja se impõe como produto de extrema relevância para a produção agrícola e a balança comercial do País. O óleo de soja pesa significativamente na formação dos índices de preços do IBGE, tendo, portanto, peso na política de controle da inflação, variável econômica monitorada pelo FMI.

Mesmo com todos esses fatores, assistimos, nos últimos anos, a uma deterioração da estrutura de produção e das exportações desses produtos. O Brasil já foi o principal exportador mundial de óleo e de farelo de soja, superando os EUA, principal produtor e consumidor mundial. Há cinco anos, tínhamos capacidade de esmagamento de 33 milhões de toneladas/ano de soja em grão e industrializávamos 21,6 milhões de toneladas, diante de uma safra de 26 milhões de toneladas. Mesmo com um crescimento da safra de soja da ordem de 46% nesse período, a capacidade de esmagamento caiu 15% e, pior, esmagamos os mesmos 21,6 milhões de toneladas, evidenciando um processo de desindustrialização ou, se preferirem, de estagnação.

Em 1995, exportávamos US$ 3,8 bilhões em produtos do complexo soja (farelo, óleo e grão de soja). Passados cinco anos, a produção de soja evoluiu 46% e o valor das exportações registraram crescimento de apenas 8%. Esse resultado medíocre é decorrência de exportações de 9,4 milhões de toneladas de farelo (queda de 19% frente a 1995), 1,1 milhão de toneladas de óleo (queda de 65%) e, pasmem, 11,5 milhões de toneladas de grão (aumento de 228%). Assim, de 1995 para cá, a produção adicional de soja foi exportada 'in natura', transformando o País no principal fornecedor de matéria-prima para Europa e China.

Enquanto isso, a Argentina tornou-se a principal fornecedora de farelo e óleo de soja do mundo. Simultaneamente, dezenas de indústrias, cooperativas e empresas comerciais que atuavam na produção, venda interna e exportação brasileiras de produtos do complexo soja praticamente desapareceram. Hoje, multinacionais como a Cargill, a ADM, a Dreyfus e a Bunge dominam o setor.

Alguns podem atribuir essa situação à agressividade das multinacionais, outros podem culpar o processo de globalização ou dizer que a culpa é da incapacidade empresarial dos brasileiros. Balela. O que se vê nesse setor, a despeito do discurso oficial de exortação ao esforço exportador, foi uma sucessão de erros, omissões e covardia política, que resultou num vigoroso processo de desindustrialização, desnacionalização e concentração de poder econômico de um segmento importante para a economia, o setor agroindustrial e a balança comercial brasileira.

Enquanto a Argentina criou um crédito-prêmio para os exportadores de óleo e de farelo de soja, o Brasil eliminou a vantagem tributária que existia nas exportações de óleo e de farelo do Brasil, que compensava a proteção tarifária imposta pelos países europeus sobre o óleo/farelo brasileiro, anulando o estímulo ao esmagamento da soja e à exportação do produto industrializado.

Paradoxalmente, mantivemos uma esdrúxula situação de estímulo à exportação do produto 'in natura'. Se o produtor rural exportar o grão, não sofrerá a tributação do PIS/Cofins. Já se o grão for destinado à indústria esmagadora do País, haverá o confisco de 3,65% do valor da operação. É óbvio que a soja em grão irá direto para o porto. Enquanto os EUA concedem US$ 2,9 bilhões anuais de subsídio ao agronegócio da soja, nossos negociadores junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) silenciam e nossos formuladores de política comercial praticamente proíbem o acesso dos exportadores brasileiros de grão, farelo e óleo de soja às linhas de crédito do Proex, nosso programa de apoio financeiro às exportações. Paralelamente, a maior parte dos recursos do Proex é utilizada para estimular as vendas da indústria aeronáutica, que importa US$ 800 milhões para cada US$ 1 bilhão que exporta.

Enquanto a Europa e a China criam barreiras às importações de óleo e de farelo de soja, nossos negociadores internacionais sentam-se para discutir com os europeus a abertura de nosso mercado para os produtos industriais da Europa, no Acordo Mercosul/EU, ou dos EUA, por meio da Alca.

Esses fatos, aliados aos juros elevados, acabaram por asfixiar as empresas nacionais que industrializavam a soja. Alguns nomes tradicionais e notoriamente dinâmicos sumiram do mercado de soja, como a Ceval, a Incobrasa, a Olvepar, a Cotriguaçu, a Intercafé, o Grupo Itamaraty, dentre outros.

Enfatizam, como se fosse uma boa notícia, que as exportações do complexo soja atingiram US$ 685 milhões em junho, com embarques de 2,65 milhões de toneladas de grãos e de 1,2 milhões de toneladas de farelo. Esses números, na verdade, demonstram estarmos consolidando nossa condição de fornecedores de matéria-prima para a indústria européia. O mais triste é que tal tendência está se acentuando, pois as vendas registradas para o corrente ano-safra já atingiram 15 milhões de toneladas de grãos (50% acima de 2000) e 7,5 milhões de toneladas de farelo (20% abaixo de 2000).

É preciso desonerar os tributos incidentes nas exportações da indústria brasileira e adotar medidas que criem condições tributárias equânimes em relação à Argentina. É preciso dar acesso às linhas de crédito favorecidas para os exportadores terem condições de competir com nosso concorrente do Norte. É preciso diferenciar nosso produto dos concorrentes e utilizar o fato de sermos um dos únicos produtores de soja não-transgênica do mundo, criando imediatamente o selo de não-transgênico.

Enfim, é preciso parar de discursar sobre uma tal de revolução no comércio exterior e começar a agir, antes que nos transformemos de tradicionais exportadores em simples importadores de óleo e farelo de soja, como já fazemos com o milho, o café, o álcool, o cacau e muitos outros produtos outrora relevantes na pauta de exportação brasileira.

(*) Alencar d?Avila Magalhães, diretor da Macrotrade Planejamento e Projetos de Comércio Exterior e conselheiro técnico da Associação de Comércio Exterior do Brasil/AEB

(Artigo Publicado no jornal Gazeta Mercantil ? 05/09/2001)

Conteúdos Relacionados