CRISE NO CAMPO III: Lideranças cooperativistas falam sobre a crise e suas conseqüências
- Artigos em destaque na home: Nenhum
Publicamos nesta edição alguns depoimentos de presidentes de cooperativas que fazem uma abordagem detalhada sobre a atual crise vivida pelo agronegócio, especialmente no Paraná. Esses depoimentos foram colhidos na última sexta-feira (13/05) durante encontro com o presidente do Sistema Ocepar, na sede da entidade em Curitiba. Falaram para o Informe Paraná Cooperativo, os presidentes, José Aroldo Gallassini, da Coamo, Eliseu de Paula, da Corol e Dilvo Grolli da Coopavel.
Leia a seguir o depoimento de cada uma dessas lideranças:
José Aroldo Gallassini, presidente da Coamo:
A crise no campo iniciou em 2004 com a virada dos preços, quando tínhamos soja por U$ 10,60 por bushel (27,2 quilos) caindo para U$ 4,60. Em Real, chegou a R$ 52,50 e voltou a R$ 23,00, valor que está até hoje. Esse foi o primeiro impacto, depois começou a seca e teve uma perda na soja em 2004. Foi só prejuízo. Os produtores não tiveram a oportunidade de vender toda o soja em 2002/2003/2004. Mais de 50% da produção ficou aguardando um melhor preço. Em 2004/2005, nova seca com grandes perdas e 2005/2006, nova perda, agora já são três anos de seca. Nós tivemos dificuldades de pagamento do custeio e investimento, apesar de haver uma prorrogação já no ano de 2005. Além da seca tivemos outros pontos negativos como a queda de preços, crise aviária, com a redução do consumo de farelo e milho. Com redução de consumo de carne de frango, inclusive o brasileiro, na Europa; a febre aftosa que atingiu principalmente o setor de suínos e bovino com o impedimento de se exportar.
Dólar - Vendemos o gado a R$ 64,00 a arroba, hoje está entre R$ 45,00 e R$ 46,00, dependendo da região. Esses fatores descapitalizaram o produtor muito rápido. O produtor veio de três safras com bons preços, bons lucros e teve essas frustrações acompanhadas de uma política econômica prejudicial. Não só a agricultura, mas todo o setor exportador. Teve alguns produtos como minérios, álcool, açúcar, laranja e café que tiveram um incremento nos preços compensando a queda do dólar. Há muitos anos não tínhamos uma crise como agora. Posso afirmar que essa crise ainda não aflorou. Estamos novamente enfrentando um período de estiagem, com a seca prejudicando o milho safrinha, aveia, pastagens e problemas para o plantio de trigo dentro do zoneamento agrícola. É uma seqüência de fatores que só traz preocupações. Por isso, nós apoiamos esse movimento dos agricultores em protesto contra tudo isso.
Estiagem - Eu acho que é a hora do Governo ajudar agricultura. Porque dentre todos os fatores que contribuíram para a crise, a política econômica do governo é o principal. Tivemos uma seca que afetou algumas regiões, se nós tivéssemos dólar ao redor de R$ 3,00 aí, eu acho que a situação estaria melhor. Porque o produtor poderia ao menos pagar as suas contas, mas com essa desvalorização do dólar temos essas perdas aí que são irreparáveis. A grande preocupação não é só a perda na agricultura, é a perda das cidades, porque as cidades do interior são essencialmente agrícolas. Todas as regiões de plantio do Brasil, tanto que o movimento dos agricultores atinge oito Estado e tende a se expandir. Então, é hora do Governo fazer alguma coisa.
Dívidas - Eu acho que a primeira reivindicação é a prorrogação das dívidas por dez anos com dois de carência podendo pagar uma parte, talvez 50% como foi proposto e deixar os outros 50% de capital de giro para o produtor poder pagar as outras contas e assim ajudar a desenvolver as cidades. Porque hoje, no interior, o comércio está todo paralisado. É um desastre que precisa ser resolvido e a única solução, a meu ver, seria a prorrogação de dívidas para facilitar a comercialização. Já temos exemplos que isso ajuda, como o PEP do trigo e o PEP do milho, mas tem que prorrogar as dívidas junto aos bancos mas também outras dívidas de anos anteriores, dos investimentos já realizados, as dívidas com as cooperativas e nas empresas que financiaram insumos, a juros baixos. O Banco do Brasil é realmente o único banco de fomento que financia os agricultores é também o que tem mais recursos. O governo tem que agir e agir rápido. Nos países tradicionais como EUA, Europa, Japão têm um grande subsídio na agricultura, por isso que é a agricultura é uma atividade de grande risco e deveria ser tratada como um fator importante para a segurança nacional, afinal, produzimos o que é mais sagrado: alimentos que chegam à mesa de milhares de brasileiros. Nós queremos que o Governo atenda e entenda os produtores. A mobilização realizada por eles é justa. Nós, em conjunto com a Ocepar, OCB, Faep, CNA, e sindicatos achamos válida essa mobilização porque realmente a crise é muito grande.
Atividade de risco - O Governo apresenta soluções paliativas. Se alguém do meio urbano quiser acusar os produtores de “chorões”, que pegam financiamento e não quer pagar, ele está enganado. Agricultura é uma atividade de risco, três anos de seca e problemas nas safrinhas de inverno. No período bom, o produtor investe em correção do solo, tanto da acidez como da fertilidade, aquisição de novas máquinas e terras. Numa fazenda os gastos não param nunca. Mesmo na entressafra é o compromisso com folha de pagamento, reforma de máquinas, retifica de tratores, são várias despesas permanentes.
Reflexão - Nesse período normal o produtor quer produzir mais. Mas depois vêm problemas de clima, políticas econômicas, depreciação do dólar e influência de acontecimentos externos também, como foi a questão sanitária no Brasil e no mundo. Nessa crise, todos os produtos da agricultura e pecuária estão com problemas. Tendo em vista os riscos que a atividade rural está sujeita, os países desenvolvidos implantam políticas eficazes de controle do setor, com grandes subsídios, seguro agrícola, prêmios, enfim uma proteção integral diferente de nós que estamos “jogados ao tempo” sempre com dificuldades. Não é “choradeira” não, os produtores não querem perdão das dívidas, querem tempo para colher uma nova safra e poder pagar de forma parcelada. Sem o auxílio o produtor não consegue novo financiamento para um novo plantio e é impossível chegar na colheita e pagar todas as dívidas atrasadas e mais as novas. Não dá certo. Pedimos ao Governo, muita cautela na análise dessa crise porque senão o problema será muito maior com reflexos nas cidades. Isso serve de alerta para que o Governo repense a sua política econômica também.
Eliseu de Paula, presidente da Corol:
Se existe a crise é porque houve um conjunto de fatos: secas e outros aspectos alheios a nova vontade. A agricultura é uma indústria a céu aberto e as crises acontecem por isso. Nós não temos uma política agrícola e se temos não são cumpridas, então isso empurra o produtor para um prejuízo muito grande, não teve garantia de preço mínimo, não teve recurso adequado nem seguro rural. Tudo isso leva o produtor a essa crise. Outro fator está na política cambial. Mas se você em crise por quebra de safra você vê que está generalizando, que a crise é brasileira. O centro-oeste, a Bahia, Paraná. A crise é generalizada e há uma insatisfação muito grande. Vem se acumulando prejuízos de dois, três anos. Chegou num momento que explodiu, ninguém mais consegue produzir com resultado. Paramos de ganhar dinheiro há dois anos. Tem algumas culturas pontuais que pararam há mais tempo.
Desespero - A crise é tão grave e há uma insensibilidade muito grande do governo que chegou nesse ponto de os produtores rurais, que são ordeiros e pais de famílias, se viram numa situação que não tem mais jeito, que tem que se mobilizar e ir pra rua, trancar ferrovias para sensibilizar onde mais fere, onde mais pega. O produtor faz essas coisas mais drásticas por desespero e para poder mostrar para o governo que ele precisa tomar medidas. A crise está instalada e precisa de medidas de longo prazo para corrigir isso. Só com medidas de longo prazo, alongamento da dívida do produtor e continuar dando sustentação para que se plante a safra de verão, porque na situação que estamos hoje não podemos plantar safra nenhuma, porque é plantar prejuízo. Por isso tem que baixar custo de produção, mudar perfil de preços de mercado, senão o produtor não planta. Isso reflete nas cooperativas. Temos produtores devendo na cooperativa, tendo duas dívidas até: uma no banco e outra na cooperativa, isso se não está devendo também fora, no mercado. Então a gente está vendo uma situação lamentável. Tenho notícias graves de produtores do Meto Grosso, do centro-oeste, que tiraram a vida por isso. O País tem solução e o governo tem que entrar como um guarda-chuva mesmo.
Evolução - Por causa da política que existe no Brasil, o produtor é especulador, porque quando planta uma safra não tem a trava seguinte. Esse é um exercício de evolução natural que tem que acontecer no País também. Isso é o tempo que vai se encarregando. Estamos acanhados ainda e nós produtores precisamos deixar de ser especuladores. Mas demora para implantar esses mecanismos, uma bolsa de mercadorias forte, travar a moeda. Penso que devemos evoluir. É através das grandes crises que surgem as grandes soluções. É através das crises que vamos aprendendo a sair delas. Toda vez que se cria uma benesse eu tenho medo, porque depois se cria uma distorção na frente. Acho que o governo tem mecanismos para corrigir distorções. Acho que a política de câmbio livre é ótima, o que o governo pode é atuar como guarda-chuva. Até agora nossos governos não tiveram essa competência... Mas criar um câmbio especial para exportação, o governo tem prerrogativas para isso.
Dilvo Grolli, presidente da Coopavel:
A crise é muito grande e sem precedentes. Todos os agricultores estão com problemas de custos de produção. Esta safra que hoje está armazenada nas cooperativas plantamos com o dólar acima de R$ 2,30, R$ 2,40, e estamos vendendo a quase R$ 2,10. Todos os preços praticados hoje, milho, soja, trigo são preços que não cobrem os custos de produção. Então o agricultor está levando prejuízo e não é só nesta safra, já levou prejuízo em 2005. Nestes dois últimos anos tivemos problemas de clima. Então o agricultor chegou num momento em que não existe mais renda na agricultura para ele se sustentar. Não tem mais dinheiro para pagar a prestação das máquinas, o colégio ou a faculdade dos filhos. Há um desespero no campo. O pai de família que trabalhou não pode mais sustentar a família. Nós nunca vivemos um drama tão grande como esse. Estamos entregando a produção a preços irrisórios para o governo sustentar sua propaganda na cesta básica de produtos baratos e com isso está derrubando a inflação. Tudo às custas do produtor rural. E isso não é somente nos cereais, acontece também com o frango, suíno, leite.
Tristeza - Tudo que está acontecendo hoje é fruto do desespero. Há tristeza no campo. Nós vimos nossos pais trabalharem, continuamos na atividade e hoje não temos mais esperança. O governo nos abandonou na hora em que precisávamos dele, que prorrogasse as dívidas e nos desse crédito para continuar plantando, que desse preços mínimos. Hoje estamos nas rodovias e nas agências bancárias como mendigos que pedem ajuda para o corrupto. Esse governo está cercado de corrupção, o valerioduto... e hoje mendigamos na porta do banco, na rodovia. Trinta e sete por cento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro vem do agronegócio, 27% dos empregos vem do agronegócio, mais de 40% das exportações vem do agronegócio. E quem fez tudo isso? Foi o agricultor. A agricultura vive o pior momento de todos os tempos. Não há mais esperança. Não estamos mais acreditando no sonho, e quando a gente não acredita no sonho cai em desespero. Esse sonho da agricultura de pai para filho virou um pesadelo. O motivo desse movimento é que nós não estamos conseguindo pagar as contas. Não pedimos subsídio nem perdão. Queremos que o governo garanta os preços mínimos que ele escreveu e não está honrando.
Prejuízos - As cooperativas estavam vendendo frango no final de 2005 a R$ 1,65 e R$ 1,70. Ele chegou a ser comercializado a R$ 0,90, quase 50% do seu custo. Agora teve uma reação, mas essa reação é a metade do que foi necessário para chegarmos nos preços de equilíbrio entre custo e valor de venda. Temos esperança que neste ano de 2006 nós tenhamos uma recuperação de preços para equilibrar custo de produção e valor de venda. Neste ano é impossível recuperar o prejuízo, que foi muito grande no primeiro quadrimestre e vai até o fim do primeiro semestre. No segundo semestre há a esperança do equilíbrio, mas não é para cobrir os prejuízos. O Paraná é o primeiro produtor de grãos do Brasil, o primeiro produtor de aves, o terceiro de carne suína, um dos principais produtores de leite e tem facilidade de exportação, e estamos vivendo esse drama. E o resto do Brasil, que não tem essas condições? Estamos passando um momento em que trabalhamos, trabalhamos, sustentamos uma política do governo... a inflação caiu, agora vê se o diesel ou a energia elétrica caiu de preço, se a escola baixou a mensalidade... o que deu equilíbrio à inflação foi o agronegócio. E o produtor não está dando dignidade a sua família. Essa é uma decepção e uma tristeza para mim brasileiro, para mim agricultor.