Cooperativas avançam no vazio do crédito

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Ao ritmo de dois novos pontos de atendimento por semana, as cooperativas de crédito estão crescendo em todo o interior do Brasil, assumindo parcela importante da atividade bancária do país. As duas associações do setor mais importantes são o Sistema de Crédito Cooperativo (Sicredi) e o Sistema de Crédito Cooperativo do Brasil (Sicoob), que juntas reúnem 865 cooperativas e somam R$ 5,9 bilhões em ativos. Vistos como entidades únicas, o Sicredi e o Sicoob, somados aos bancos criados por eles - o Bansicredi e o Bancoob -, estariam no seleto grupo das dez maiores instituições financeiras do país. Se a avaliação for feita por número de postos de atendimento, os dois sistemas também ficariam entre os dez maiores do ranking bancário. O Sicredi tem 735 locais de atendimento, e o Sicoob, outros 1.433.

Crescimento - Embora ainda pequenos do ponto de vista sistêmico no universo bancário, os dois bancos do sistema cooperativista crescem de forma considerável. Em 1997, respondiam por 0,35% do volume de operações bancárias; no ano passado, chegaram a 1,35%. "Seremos importantes quando chegarmos a 5%", diz o superintendente do Sicoob, Marco Aurélio Almada, que prevê chegar a este patamar num "futuro próximo". Para se ter uma idéia, em quantidade - e não em valores financeiros -, o volume de compensações feitas pelo Sicoob já é semelhante ao de um banco do porte do HSBC. As cooperativas não podem manter agências tradicionais. Mas, na prática, isso acontece. Com a Lei dos Correspondentes Bancários, os postos de atendimento prestam todos os serviços bancários, com exceção da caderneta de poupança.


Associados - O Sicoob optou por não manter "agências". Os serviços são prestados nas próprias cooperativas: 755 em 14 Estados. Este sistema é mais forte em Santa Catarina nos Estados do Sudeste. Minas, por exemplo, tem 500 unidades. O Sicredi é mais forte em quatro Estados: Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e começa a entrar em São Paulo. Com 510 mil associados ao Sicredi e 981 mil ao Sicoob, o sistema se espalha especialmente em cidades muito pequenas, abandonadas pelo sistema bancário tradicional por não serem lucrativas. A idéia, segundo o diretor de supervisão e controle do Sicredi, Armando Hammerschmitt, é atender as comunidades desassistidas e, em Estados agrícolas como o Paraná, trabalhar com crédito rural. "O agricultor foi enxotado para fora dos bancos", diz Hammerschmitt, já que os juros tabelados do crédito agrícola não oferecem rendimento interessante aos bancos privados.

Nova consciência - Na opinião do superintendente do Sicoob, Marco Aurélio Almada, as razões para o crescimento das cooperativas de crédito são muitas, mas partem basicamente de uma nova consciência da sociedade, que "aprende a se organizar de forma mais interessante do que no período inflacionário". No fim das contas, a exemplo do que ocorre nos países desenvolvidos, elas ajudam a regular o mercado, analisa Almada. À medida em que aumenta a concentração no sistema bancário, com semelhança de políticas, as pessoas não se sentem bem atendidas, por exemplo. E o sistema das cooperativas "tende a ter um tamanho que inibe os bancos a praticarem políticas arbitrárias".

Expansão - Impulsionadas inicialmente pela área agrícola - o forte do Sicredi -, as cooperativas de crédito se expandiram também nas cidades, a partir da entrada do Sicoob no mercado, em 1997, numa reação às críticas ao sistema bancário tradicional. Sempre a partir da mobilização social surgiram, por exemplo, as cooperativas que reúnem funcionários de grandes empresas e de órgãos públicos. Neste caso, sem salário significativo para obter crédito nos bancos privados, as pessoas se organizam para fugir ao assédio de agiotas. Existem cerca de 200 cooperativas desse tipo. Profissionais liberais, por seu lado, criam cooperativas para fugir das taxas e tarifas dos bancos. As instituições desta categoria passam de 50, sem contar as 130 cooperativas de médicos que formam um sistema à parte, o Unicred, que atua de forma paralela à Unimed.

Grupos - Com apelo social mais forte, há as cooperativas que formam o grupo de arranjos produtivos: ou seja, reúnem pessoas empenhadas no desenvolvimento de alguma atividade. Ou ainda as que congregam micro e pequenos empresários que normalmente têm dificuldade de acesso ao crédito. "Eles formam, então, uma instituição com a cara deles", comenta Almada. A principal vertente, no entanto, ainda é a agrícola, a mais antiga e desenvolvida. Forte nos Estados do Sul, onde atua o Sicredi, também foi determinante para o desenvolvimento do Sicoob. No interior do Paraná, as unidades do Sicredi resolveram o drama de aposentados e até de funcionários de prefeituras que precisavam se locomover a um município vizinho para receber salários ou aposentadorias. A situação é a mesma em outros Estados, especialmente depois da privatização de bancos estaduais. Muitas agências espalhadas pelo interior foram fechadas, por não darem lucro.

Estrutura operacional - Com isenção de tributos, as cooperativas de crédito têm uma estrutura operacional mais simples que a do sistema bancário tradicional. E, por isso, podem praticar juros menores que os de mercado. Com os bancos que criaram, oferecem os mesmos produtos dos bancos normais, desde cartão de crédito e aplicações até talão de cheque. O Bansicredi tem um leque de 101 produtos, reunidos em oito grandes grupos. Hammerschmitt conta que o Sicredi não consegue atender a todos os pedidos de abertura de postos de atendimento, por falta de estrutura. Em muitos casos, o sistema faz parceria com prefeituras ou outras entidades para obter espaços onde funcionar. O sucesso no interior é grande porque "o Sicredi é da comunidade", diz Hammerschmitt.
Incentivo à economia local - Os recursos captados permanecem no local para impulsionar novos negócios. Ao contrário dos bancos privados, que "captam poupança para construir em grandes centros ou usam os recursos de fundos de investimentos para financiar a dívida do governo", diz. "Nós fazemos circular os recursos na própria comunidade." Sem contar, é claro, que sendo donos, os cooperados ainda se beneficiam das sobras no final do ano (as cooperativas, por definição, não podem ter lucro). No ano passado, o Sicoob distribuiu R$ 94 milhões a seus associados, que quase sempre usam o dinheiro para capitalizar a cooperativa. O Sicredi obteve sobras de R$ 61,3 milhões.

Sistema tem 100 anos - A história das cooperativas de crédito começou oficialmente no Brasil em 28 de dezembro de 1902, com a criação da unidade da Linha Imperial, em Nova Petrópolis (RS). Fundada pelo padre Theodor Amstadt, era do tipo "Raiffeisen", que se caracteriza pela ampla solidariedade dos associados, em que todos se responsabilizam por cada um, com o valor total de seus bens (responsabilidade solidária). O modelo ainda é a base filosófica dos sistemas existentes no Brasil. O sistema floresceu no Rio Grande do Sul até 1964, quando a reforma bancária impôs restrições que inviabilizaram seu funcionamento. Na década de 50 havia 63 cooperativas em funcionamento, que teriam operado como importante apoio para a produção rural e a vida econômica dos municípios do interior gaúcho. Mas o processo foi sufocado durante o regime militar, e só retomado a partir de 1980. Se fortaleceu de vez com a criação dos bancos cooperativos, em 1995 (Bansicredi) e 1997 (Bancoob).

Campanha - Para comemorar os 100 anos da primeira cooperativa de crédito, o Sicredi lançou em março uma campanha que vai distribuir R$ 2,9 milhões em prêmios até dezembro. A idéia é aumentar o capital social das cooperativas de crédito, para atender as determinações referentes ao PLE (Patrimônio Líquido Exigido) estabelecidas pela Resolução 2771 do Conselho Monetário Nacional, de 30 de agosto de 2001. As cooperativas investiram perto de R$ 2,9 milhões na compra dos prêmios, valor que deve ser recuperado nos três primeiros meses da campanha, com o aumento das vendas dos produtos e serviços. Nos quatro meses seguintes, os recursos serão utilizados para aumento do capital das cooperativas e ampliação do atendimento.
Cada associado pode concorrer com quantos cupons puder obter por meio de sua capitalização no Sicredi ou com aplicações financeiras, fundos de investimento, fundo de previdência, seguros, cartões de crédito e de débito.
Associações criam seus próprios bancos - Sem acesso, pela legislação, ao Serviço de Compensação de Cheques e Outros Documentos, as cooperativas de crédito criaram seus próprios bancos. O sistema precisava de um banco parceiro e "havia conflito de interesses entre os bancos normais e as cooperativas", diz o superintendente do Sicoob, Marco Aurélio Almada. Na opinião do diretor de supervisão e controle do Sicredi, Armando Hammerschmitt, o Bansicredi nasceu "como instrumento para as cooperativas terem acesso a produtos bancários", o que foi possível quando a marca foi unificada, em 1997. O Bansicredi responde por R$ 2,4 bilhões em ativos, enquanto o Bancoob tem outros R$ 3,5 bilhões, considerando os recursos das 755 cooperativas do sistema.

Atuação conjunta - Apesar de visões diferentes, o Bancoob e o Bansicredi atuam em conjunto em alguns setores. Oferecem produtos em comum, como cartão de crédito, e dividem a propriedade da corretora de seguros. Na área de investimentos, o Sicredi se orgulha de manter o único fundo que nada perdeu com a marcação a mercado. A alteração de normas feita pelo BC resultou em perdas de até 5% na grande maioria dos papéis. Mas os fundos administrados pelo Sicredi não sofreram desvalorização, porque já estavam enquadrados no novo critério. Para o presidente da Sicredi Central, Seno Cláudio Lunkes, isso mostra a seriedade e segurança como o sistema de crédito cooperativo administra os recursos dos associados. No Paraná, onde o sistema apresentou crescimento expressivo no ano passado - as operações de crédito aumentaram 64%; os depósitos à vista, 69%; e os depósitos à prazo, 97% - o Sicredi recebeu contribuição definitiva da Lei Estadual 13.527/02. Ela permite que as prefeituras de municípios onde não há agências oficiais façam movimentação financeira no Sicredi. Este e outros motivos levam Lunkes a prever crescimento na mesma escala para este ano, chegando a 75%. (Matéria publicada pelo jornal Valor, em 06/09/2002)

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