COMO INVESTIR NA ALCA ?

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Mauro de Rezende Lopes

Posicionar-se estrategicamente é transformar uma ameaça em uma oportunidade de negócio. A Alca representa uma ameaça potencial em virtude da integração com países com produtos concorrentes, em quase todos os setores nas atividades do agronegócio, mas pode representar também uma oportunidade de abertura de novos mercados no hemisfério. As maiores ameaças estão com as empresas que não estão posicionadas estrategicamente. Quem estiver fora do padrão mundial de gestão estratégica estará fora do mercado. É apenas uma questão de tempo.

Para tirar um melhor proveito possível das oportunidades de mercado que se abrirão certamente com a Alca, temos que analisar cinco elementos-chave. Em primeiro lugar, temos que identificar o padrão de competitividade das cadeias agroindustriais nas quais nossa empresa se insere, sua eficiência, principalmente, nas condições brasileiras. Em segundo lugar, temos que identificar se o nosso negócio é um setor com perspectivas favoráveis de mercado num mundo globalizado (isto é, se nosso produto tem mercados mundiais fora da Alca). Em terceiro, identificar oportunidades de mercado, em particular de exportação, na própria Alca, pois há mercados prospectivos de grande valor na integração hemisférica. Difíceis mais há. Nessa linha estamos investindo hoje nossos conhecimentos.

Em quarto lugar, temos que acionar nossos recursos, internos à empresa, de inteligência de negócio, não só para filtrar, processar e aprofundar as informações estratégicas sobre mercados - que é o nosso ponto focal mais importante - para investimentos, a partir do desenho de um projeto de adequação dos nossos recursos e processos produtivos ao benchmarking internacional (pois se vamos competir no exterior temos que ter um elevado padrão de eficiência técnica). Finalmente, em quinto lugar, temos que implantar um plano interno de adequação da nossa empresa para competir no cenário de oportunidades de negócios desenhado nos pontos anteriores.

Vamos iniciar com a identificação do padrão de competitividade das cadeias das quais nossa empresa participa, analisando as melhores oportunidades de investimento nas agroindústrias brasileiras. As cadeias mais competitivas - no sentido de gerar resultados financeiros e agregar valor aos produtos básicos - são aquelas que poderão atrair investimentos. Tenho que me posicionar em um bom negócio, nas condições brasileiras, de tributação, encargos financeiros e encargos sociais, do contrário não poderei competir lá no exterior: esse é o lema.

O critério para selecionar cadeias altamente competitivas é, em primeiro lugar, o menor peso relativo de impostos, juros e encargos sociais, na rentabilidade da cadeia (da produção até o atacado). Quanto menores esses ônus, mais competitiva é a cadeia agroindustrial. O segundo critério é elencar as agroindústrias brasileiras em termos de padrão de eficiência e demanda pelo produto de abertura no mercado internacional e preços e, logicamente, rentabilidade. Vamos recorrer a um estudo feito pelo Centro de Estudos Agrícolas denominado "Fatores que afetam a competitividade das cadeias agropecuárias brasileiras". Nele todos estes detalhes são discutidos em profundidade.

O quadro 1 apresenta as melhores oportunidades de investimento nas agroindústrias brasileiras, porque estas são competitivas e foram selecionadas de acordo com os dois critérios enunciados. A coluna "Margem Líquida Atual" é a rentabilidade total da cadeia, nas condições brasileiras, com o Custo Brasil, isto é, com impostos, juros e encargos sociais. A coluna "Margem Líquida com Aplicação dos Critérios" é a rentabilidade das agroindústrias, subtraídos o peso dos impostos, juros e encargos sociais. A comparação entre ambos permite avaliar até que ponto a cadeia é vulnerável ao Custo Brasil. Quanto maior a diferença entre as colunas, tanto mais vulnerável (e pouco competitiva) é a cadeia agropecuária.

O leite C, por exemplo, tem uma rentabilidade de 3% com os impostos, juros e encargos e 18%, sem eles: logo, esta cadeia é pouco competitiva porque é muito vulnerável ao Custo Brasi. O Frango tem uma rentabilidade com o Custo Brasil de 27,03%; e sem ele, de 25,75%: portanto, a tecnologia, a organização da cadeia, etc. são tão grandes que o setor é menos vulnerável ao Custo Brasil. Finalmente, na coluna "Posição", hierarquizamos as melhores e mais eficientes agroindústrias brasileiras.

QUADRO I - Melhores oportunidades de investimento na agroindústria brasileira

AgroindústriasMargem líquida atual - % (a)Margem líquida com os critérios % (a)Relação (%)Posição
Trigo importado farinha Brasil25,0325,752,83
Frango exportação SC41,5044,326,38
Franco mercado interno SP30,5634,1310,46
Trigo nacional farinha Brasil49,5061,8019,91
Leite B24,0731,4823,53
Café exportação39,2853,4426,51
Café torrado e moído conillon27,7140,3231,27
Algodão15,4430,7349,75
Álcool7,9225,4968,93
Soja exportação8,4127,4869,4210º
Açúcar6,8627,7875,2911º
Leite C3,1318,7583,3312º

Verificamos que a atividade de moagem de trigo no Brasil, principalmente do trigo duro, é altamente eficiente. Em segundo lugar, estão duas cadeias de produção de frango para exportação e para o mercado interno, como já era de se esperar. Finalmente, uma das cadeias menos eficientes na agroindústria nacional é a do leite C. Se eu estiver nesta cadeia/agroindústria eu não terei como competir na Alca ou no mundo globalizado.

Vamos aplicar um outro critério, que consiste na capacidade da cadeia agroindustrial de agregar valor em cada etapa da produção à industrialização (cadeia de valor na agroindústria). Para tanto, subtraímos do valor bruto das receitas da cadeia, todos os gastos com terra, trabalho e capital, que são fatores primários de produção, disponíveis e abundantes na economia brasileira. É muito difícil ganhar dinheiro com estes fatores primários em uma economia do conhecimento e em um mundo altamente competitivo como o que vivemos.

O segundo critério de competitividade consiste no seguinte: quanto menos gastamos com fatores primários, tanto melhor. Vamos ver quanto as cadeias geram de valor usando outros fatores tais como tecnologia, posicionamento mercadológico, competência estratégica de gestão, que, em última instância, faz algumas atividades serem lucrativas, e muito, e outras não.

Para quem usa, por exemplo, apenas 30% do valor da produção com gastos em fatores primários, resta 70% do valor da produção que agrega valor (ou pode agregar valor) por tecnologia, processos produtivos lucrativos, insumos específicos muito rentáveis, marketing e posicionamento no mercado, gestão estratégica e fatores hoje que fazem enorme diferença em termos de rentabilidade de cadeias modernas.

Assim, o quadro 2 hierarquiza as principais cadeias agropecuárias brasileiras, de acordo com o critério de agregação de valor. A coluna "Impostos, Juros e Encargos Sociais Elevados" mostra que, por exemplo, a cadeia do frango de exportação compromete, desde a semente até o frango no porto, apenas 32% de todo o valor da produção com remuneração de terra, trabalho e capital. Por outro lado, o leite C compromete 94% do seu valor da produção com os três fatores de produção básicos. Quanto maior o comprometimento do valor de produção da cadeia com os fatores básicos, tanto pior a cadeia é em termos de competitividade e capacidade de atração de investimentos. Quase todo o recurso gerado na cadeia do leite C se destina a remunerar três fatores que agregam muito pouco, em termos de valor, em uma cadeia agropecuária.

QUADRO II - Melhores oportunidades de investimento (gastos com terra, trabalho e capital) agregação de valor.

ProdutosCom impostos, juros e encargos altosSem impostos, juros e encargos baixos
Frango export3228
Complexo soja mercado interno3435
Farinha de trigo3631
Complexo soja exportação3636
Franco mercado interno3932
Café torrado e moído5333
Leite B5543
Algodão7856
Soja exportação8149
Álcool8166
Açúcar9162
Leite C9469

Analisando os quadros 1 e 2, verificamos que o frango de exportação e a atividade de moagem de trigo despontam como atividades de alto potencial de competitividade nas condições brasileiras (com juros, impostos e encargos sociais que tanto oneram os setores da economia). Partindo-se do pressuposto de que os ônus que gravam as cadeias não vão mudar, os setores que são menos vulneráveis a estes custos Brasil, desfrutam de possibilidades para explorar o mercado mundial com desdobramentos importantes.

Vale ressaltar que os complexos de soja para o mercado interno e para a exportação são importantes porque agregam valor, apesar de serem terra, trabalho e capital intensivos. Este é um setor que, a despeito das barreiras que enfrenta no mercado internacional, ainda apresenta altos níveis de rentabilidade potencial devido à agregação de valor.

Vamos identificar agora a posição dessas cadeias agropecuárias brasileiras na constelação dos melhores setores com perspectivas altamente favoráveis de competitividade do mercado global. Nossos estudos indicam que, das cadeias selecionadas nos quadros 1 e 2, as indústrias de carnes, aves, abatedouros e processamento industrial; de produção de rações e resíduos de produtos animais e vegetais (farelos); de produção e refino de óleos comestíveis; de produção de açúcar; e a indústria de moagem (com a panificação que a acompanha) estão entre os treze setores com mais alta perspectiva de mercado no futuro.

A indústria de lácteos e a indústria de moagem de cereais estão numa "categoria II", onde figuram treze outros produtos com perspectivas apenas razoáveis de mercado na economia global. Na categoria de produtos com menores perspectivas no mercado mundial estão a produção de café, cacau e seus produtos e a produção de bebidas, isto apenas à guisa de informação.

Portanto, há uma coincidência entre as indústrias que estão nos quadros 1 e 2 e aquelas identificadas entre as de maiores perspectivas de penetração no mercado mundial. Em seguida, vamos identificar as oportunidades de mercado na própria Alca, onde dois grandes mercados mundiais que estão no hemisfério têm o poder de atração muito grande de exportações brasileiras, EUA e o Canadá.

Estas são as bases sobre as quais se assentam as questões críticas de perspectivas para as empresas no contexto do comércio internacional; isto é, essas são as possibilidades de um melhor posicionamento mercadológico estratégico. A empresa nestes setores tem mercado para seus produtos. Cabe a ela abrir, penetrar e explorar mercados na Alca; sempre com uma possibilidade de diversificar suas exportações para o resto do mundo, daí porque identificamos setores com perspectivas de mercado na globalização.

Vamos então acionar nossos recursos internos à empresa de inteligência de negócios. Uma primeira dimensão do trabalho do nosso Centro de Inteligência será analisar, em de detalhes, todas as informações referentes aos mercados internacionais. Por exemplo, as oportunidades de negócio são identificadas em grandes setores (a nível de linhas tarifárias a seis dígitos), mas a aplicação de barreiras tarifárias, medidas não tarifárias, normas técnicas, barreiras sanitárias e fitossanitárias ocorre, preponderantemente, não ao nível de seis dígitos do Sistema Harmonizado, mas ao nível de oito dígitos.

Aí, nos oito dígitos, estão os principais problemas de restrições à penetração nos grandes mercados nos EUA, Canadá e no mundo. Portanto, nossos recursos de inteligência de mercado têm que se debruçar sobre esses produtos e analisá-los com muito cuidado.

Uma outra dimensão importante do nosso Centro de Inteligência de Negócio é analisar um programa de racionalização de custos e recuperação de resultados. Nossa empresa para competir terá que ter um sistema que processe produtos e serviços de alta qualidade. Neste contexto, nosso Centro de Inteligência deverá analisar quatro áreas preponderantes:

a) Análise dos processos tecnológicos internos da empresa;

b) Alternativas de novas tecnologias possíveis;

c) Gestão de uma qualidade com eficiência indisputável; e

d) Análise da eficiência das cadeias de suprimento.

Finalmente, vamos solicitar aos profissionais da área de inteligência de negócios que nos desenhem um plano com uma boa visão das oportunidades de negócio, uma análise estratégica, um componente de marketing em vendas, uma estrutura de operação, um plano financeiro e, certamente, um componente que é um arranjo societário viável e competente, pois do contrário dificilmente, com capital próprio ou crédito bancário, teremos condições de penetrar nos mercados mundiais, nas escalas técnicas e econômicas necessárias.

Esta seqüência de elementos nada mais é do que um plano de negócios. Finalmente, a partir dele desenhamos um documento de venda para atrair investidores para nossa empresa. Capital é o que não falta. Precisamos, em nossa empresa, desenhar uma equipe capaz de estruturar planos de investimentos competentes.

A parte mais difícil é alguns dirigentes das empresas de que informação acerca de todos esses elementos e este plano têm grande valor para a empresa. Por outras palavras, o dirigente empresarial do agronegócio tem que deixar de lado a sua cultura de produção no setor primário da economia e entrar num novo contexto de paradigmas de investimentos industriais de grande porte, com visão de negócios e conhecimento. Este é o grande desafio do agronegócio brasileiro.

(*) Mauro de Rezende Lopes, Coordenador de Cursos e Projetos da FGV.

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