Artigo: O Show das Cooperativas

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Xico Graziano (*)

Quem imagina haver oposição entre agricultores familiares e produtores empresariais no campo precisa visitar o Paraná. Lá, conhecendo o trabalho do cooperativismo, vai descobrir que essa idéia da tecnologia moderna ser contra os pequenos é pura bobice.
Sofrido desde a grande geada de 1975, quando viu seus cafezais torrados, o meio rural paranaense vira a página e dá a volta por cima. São as lavouras de grãos, agora, que impulsionam o progresso. Ganhos extraordinários de produtividade se verificam: no oeste, a média da produção de milho por hectare cultivado saltou de 3 500 para 8 000 kilos. Um salto extraordinário, em apenas 15 anos.
Essa trajetória de sucesso conta com o vigoroso alicerce das cooperativas agropecuárias, que promovem uma verdadeira revolução tecnológica e gerencial. Três delas são exemplares: a Cocamar, a Coamo e a Coopavel. Fazem história no Paraná.
Basta comparecer ao Show Rural organizado em Cascavel, no oeste paranaense. Nascido há 16 anos, neste fevereiro atraiu acima de 130 mil agricultores e técnicos, visitando a exposição que representa o supra-sumo da tecnologia agropecuária do país.
Chama a atenção o zelo no recinto. O paisagismo belíssimo, a limpeza absoluta. A cada dez metros, uma lixeira. Não se observa um único papel ou uma bituca de cigarro no chão; os banheiros são asseados. Parece filme de mentira.
Acostumada à sujeira do barro, a botina brilhante indica estar retornando o orgulho perdido do agricultor brasileiro. Esquecido pela urbanização acelerada, ele relaxou consigo mesmo. Cabisbaixo, viu a sociedade elevar seu preconceito contra o caipira. Pobre país que despreza sua agricultura.
Mas a roça levanta a cabeça e mostra sua civilidade. Contrapõe a paisagem telúrica à imundície da cidade, atolada no drama da marginalidade. Assim, vendo brotar da terra o progresso, que se espalha por toda a economia, a urbe revaloriza o campo. O ruralismo, antes confinado às riquezas da oligarquia, agora alimenta cadeias produtivas complexas, que se espraiam pelas cidades, gerando renda e empregos fora das fazendas. São os agronegócios, ramificados, escondidos na indústria e no comércio.
A tecnologia moderna vai rompendo barreiras. No passado, os cafezais se expandiam pelas manchas de terra roxa, sugando-lhes a fertilidade natural. Agora, a soja se aventa pelos solos brancos do arenito Caiuá, assombrando velhos conceitos.
Cerca de 3,2 milhões de hectares de terras naturalmente fracas, tidas antes como imprestáveis, incorporam-se à produção rural graças ao trabalho pioneiro da Cocamar, a mais diversificada cooperativa do Brasil. Utilizando-se do plantio direto na palha, que define um padrão superior de tecnologia - a verdadeira agronomia tropical - as culturas apresentam níveis de produtividade surpreendentes. O arenito, primo pobre da terra-roxa, ganhou status, copiando o sucesso dos cerrados brasileiros. Suas terras, desvalorizadas, subiram de preço 10 vezes, em 5 anos. Ninguém acredita.
Pastagens degradadas cedem lugar a lavouras espetaculares, conservando os solos, gerando renda e empregos em uma centena de municípios pobres. Semi-paralizados desde a quebra do café, reerguem-se pelos braços do cooperativismo empreendedor da Cocamar. A bela Maringá está orgulhosa.
Corre o mundo a produção agrícola do Paraná. Seu milho vai à Espanha, a soja ganha a China.Quem lidera esse comércio internacional é a Coamo, a maior exportadora cooperativa do país. Poucos poderão imaginar o profissionalismo e a competência organizados na distante Campo Mourão, no Paraná. Com um faturamento bruto superior a R$ 3 bilhões e exportação prevista de US$ 650 milhões, a Coamo supera qualquer idéia atrasada que exista ainda sobre a agropecuária nacional.
Tanta riqueza é repartida: a cooperativa distribuirá aos associados, neste mês, R$ 73 milhões das sobras de seu balanço. Um pequeno agricultor, com 20 hectares, por exemplo, receberá uma bonificação extra ao redor de R$ 2 mil. Bela quaresma!
Essas três feras? Coopavel, Cocamar e Coamo? Expressam um cooperativismo revigorado que, de rural, passou a agroindustrial. E, da administração caduca, ensina o gerenciamento responsável. Na tecnologia, fornece o degrau para os menores se levantarem. Em todo o Estado, 93 mil agricultores estão associados às cooperativas, sendo 88% familiares, com áreas menores de 100 hectares. Democracia pura!
Sem seu trabalho de assistência técnica e apoio comercial, esses pequenos agricultores teriam sucumbido nos dilemas da competição. As estatísticas dos departamentos agronômicos atestam que os produtores familiares apresentam rendimentos iguais e até mesmo superiores aos grandes agricultores. Mais que na produção, na cultura e na ideologia se descobre que os pequenos agricultores sentem-se fortes, participantes, cidadãos plenos.

( *) Xico Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995) e secretário da Agricultura de São Paulo (1996-98). E-mail: Este endereço para e-mail está protegido contra spambots. Você precisa habilitar o JavaScript para visualizá-lo. (artigo publicado no dia 02.03.04 nos jornais O Globo e O Estado de S.P.)

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