ANÁLISE: Grãos devem ter volatilidade pela frente

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Mudanças irrevogáveis de patamares de preços não são comuns no mercado de commodities. Acompanham guinadas históricas ou emergem em grandes crises globais, e a velha máxima de que oferta e demanda tendem a entrar em relativo equilíbrio até agora, em geral, prevaleceu. Na década de 50, por exemplo, eram catastrofistas as previsões de déficit alimentar no mundo pós-guerra, mas a disparada das cotações de produtos como soja, milho e trigo nas bolsas internacionais foi contida pelos ganhos de produtividade advindos da revolução verde e seus fertilizantes e tecnologias voltadas às lavouras.


Commodities - Quando as três principais commodities agrícolas começaram a se distanciar de suas médias históricas, em outubro de 2006, a sensação inicial era de que logo haveria um inevitável recuo. Não houve. As curvas ascendentes tornaram-se ainda mais verticais no ano passado, e novas altas, ainda que de menor envergadura, são esperadas para 2008. É quase consenso entre especialistas que os patamares de preços praticados nos mercados agrícolas globais mudaram definitivamente. Como a escalada foi radical, analisam, até há espaço para acomodações em degraus mais baixos. Mas, sobretudo para os grãos, é "sebastianista" a espera por um retorno aos níveis pré-disparada.


Mudanças - "O conceito de média histórica vale até 2006. O ano de 2007 é um marco divisor", passou a afirmar Renato Sayeg, da Tetras Corretora. Gestor de operações de compra e venda de grãos para agroindústrias, Sayeg calcula que, no Brasil, 80% delas já tenham essa consciência. O mundo é outro. Vide os emergentes, cuja força ficou evidente nas discussões sobre os efeitos da crise hipotecária americana. Da mesma forma que já são capazes de compensar pelo menos parte dos reflexos globais da perda de poderio dos EUA, países como China e Índia seguem acelerados e o desafio de alimentá-los é o principal fator estrutural de longo prazo que hoje sustenta as commodities.


Demanda - Como lembra Claudio Porto, presidente da consultoria Maroplan, apenas a demanda chinesa por cereais deverá crescer 25% até 2020. No mesmo horizonte, o consumo de carne tende a aumentar mais de 40%, termômetro do avanço da renda da população do país. Se o cenário já sinalizava suporte para os preços por conta da crescente demanda por alimentos, a chegada da onda dos biocombustíveis catapultou a tendência. Ainda há um longo caminho para a disseminação do uso de combustíveis como álcool e biodiesel no mundo, mas os EUA decidiram mergulhar no etanol e boa parte de sua produção de milho já começou a ser deslocada para a fabricação desta alternativa ao petróleo.


EUA - Em janeiro, quando o presidente George W. Bush anunciou a meta de substituir 20% do consumo americano de gasolina por outras fontes em dez anos, os EUA haviam acabado de colher uma safra (2006/07) de milho 7% menor que a anterior e os estoques globais do grão estavam quase 17 milhões de toneladas mais magros. O nervosismo nos mercados foi tão grande quanto a alta de preços que se seguiu. Nascia ali a "disputa" entre alimentos e energia por grãos.


Bolsa de Chicago - Tal concorrência ajudou a tornar as commodities agrícolas mais interessantes, e fundos de investimentos com foco em outros setores passaram a olhá-las com mais atenção. Na bolsa de Chicago, milho, trigo e soja tornaram-se uma espécie de "pacote" para esses fundos exóticos. As cotações do trio passaram a caminhar ainda mais juntas. As três subiram quase que o ano passado inteiro. No primeiro semestre, milho e trigo, com restrita oferta global, puxaram também a soja. Nos últimos meses, a previsão de queda de mais de 20% nos estoques globais de soja nesta safra 2007/08 passou a prevalecer. A cotação do grão subiu ao mais elevado nível em 34 anos e passou a influenciar os vizinhos.


Preços médios - Segundo cálculos do Valor Data, o preço médio da soja alcançou US$ 8,7750 por bushel em 2007 em Chicago (contratos futuros de segunda posição de entrega, normalmente os de maior liquidez), 45,5% maior que a média de 2006. Na mesma comparação, o milho subiu 41,7%, para US$ 3,86 por bushel, e o trigo teve ganho de 56,3%, atingindo US$ 6,5240 por bushel. Em dezembro, a cotação média da soja chegou a US$ 11,6985, com saltos de 72,78% em relação ao mesmo mês de 2006 e de 95,1% sobre dezembro de 2005. Para o milho, os aumentos foram de 15,13% e 105,57%, respectivamente; no caso do trigo, chegaram a 84,38% e explosivos 181,69%.


Bolsa de Nova York - A mudança de perfil desses mercados, também verificada entre as principais commodities agrícolas transacionadas na bolsa de Nova York (açúcar, café, cacau, suco de laranja e algodão), veio acompanhada de nervosismo e volatilidade maiores que o normal - habitat preferido dos grandes fundos. Conforme o Valor Data, a soja em grão registrou variações maiores que 3% (para cima ou para baixo) em dez pregões em Chicago no ano passado. No milho, foram 26 dias destas grandes oscilações, e no trigo foram 40. Em Nova York, o suco de laranja liderou o ranking da volatilidade, com 30 fechamentos diários com variações superiores a 3%. Seguiram-se o café (19), o cacau (13), o açúcar (dez) e algodão (dez).

Volatilidade em 2008 - Esse comportamento, conforme analistas, deve recrudescer em 2008. "Os mercados estão neuróticos", diz Paulo Molinari, da Safras&Mercado. "Volatilidade é o nome do jogo", afirma Antonio Sartori, da corretora Brasoja. No caso de soja e milho, os nervos já estão à flor da pele. Para as plantações da América do Sul, que estão em desenvolvimento, o risco é o fenômeno climático La Niña. E os analistas já tentam prever o tamanho do provável avanço da soja sobre o milho nos EUA em 2008/09.

 

Previsões a partir de março - Projeções oficiais sobre as intenções de plantio dos produtores americanos, só no fim de março. Depois virá o "mercado de clima" que segue o desenvolvimento das lavouras dos EUA, fase já tradicionalmente rica em especulações. Isso fora petróleo, economia americana, importações européias, China e outros fatores que poderão influenciar os cardiogramas dos preços e dos traders, como ocorreu na semana passada com o atentado no Paquistão que matou a ex-primeira-ministra Benazir Bhutto. Em geral, portanto, as previsões são de preços firmes para as commodities agrícolas em 2008. Mas sem calmaria. Variações de até 25% para baixo ou para cima em alguns períodos são perfeitamente possíveis. (Valor Econômico)

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