Por Polan Lacki (*)
Em apenas 12 anos, a agricultura brasileira duplicou a
sua produção de grãos, passando de 58 para 115 milhões
de toneladas por ano; adicionalmente, obteve significativos aumentos na
produção e exportação de outros bens agrícolas
e pecuários. Sem anúncios nem celebrações,
o agronegócio assumiu o papel de "locomotiva" da economia
brasileira, que está dando uma enorme ajuda na solução
dos problemas nacionais. E, diga-se de passagem, isto aconteceu graças
à iniciativa e ao esforço dos próprios agricultores,
os quais conquistaram este êxito com mínima ajuda governamental.
Nesses mesmos 12 anos, os governos não formularam macro-políticas
de apoio ao desenvolvimento da agricultura, não fizeram grandes
investimentos em infra-estruturas de estradas, portos e armazenagem, não
instituíram o desejado seguro agrícola e reduziram o montante
do crédito rural oficial. Privatizaram as rodovias e instituíram
pedágios que oneraram os custos de produção e de
distribuição das colheitas. Não concederam subsídios
aos nossos produtores e não adotaram importantes medidas tarifárias
de proteção contra a importação de produtos
agrícolas do estrangeiro.
Nesse período, algo similar ocorreu no âmbito externo: o
FMI, a OMC e o Banco Mundial não modificaram as suas políticas
em relação à agricultura, os preços dos nossos
produtos de exportação nem sempre foram favoráveis,
os países ricos continuaram subsidiando fortemente os seus agricultores
e impondo crescentes restrições, tarifárias e não
tarifárias, à importação dos nossos produtos
exportáveis.
Em resumo, nesses 12 anos não foi adotada - nem
interna nem externamente - nenhuma das medidas clássicas que propunham
e continuam propondo muitos especialistas em desenvolvimento agrícola
e líderes rurais. E, apesar de todas essas adversidades, reais
ou imaginárias, a produção de grãos duplicou.
Essa contradição entre a inércia
dos governos e o êxito da agricultura é tão surpreendente
e importante que não pode ser ignorada nem sequer subestimada.
Ela denuncia que, em muitos casos, as antigas "receitas' e as frondosas
burocracias públicas encarregadas de executá-las foram um
gigantesco desperdício de recursos e um rotundo fracasso. Enquanto
elas estavam vigentes, em vez de estimular as iniciativas dos agricultores
e promover o desenvolvimento do setor agropecuário, produziram
um efeito contrário. Esta contradição exige que façamos
um sério questionamento às propostas convencionais de desenvolvimento
agrícola; esta contradição está demonstrando
que estavam equivocados tanto os que reivindicavam como os que formulavam
certas políticas de apoio à agricultura; estas, em certos
casos, ajudaram muito mais a alimentar um Estado autofágico que
a solucionar os problemas concretos dos agricultores e do setor agropecuário.
A mencionada contradição também nos
impõe a seguinte pergunta: concreta e objetivamente, a que se deveu
esta duplicação da produção se os governos
- por ação ou por omissão - fizeram exatamente o
contrário do que propunham os "especialistas" e "lideres"
rurais? Deveu-se principalmente ao seguinte fator: uma minoria de agricultores,
mais lúcida e progressista, se cansou das reivindicações
utópicas dos seus próprios líderes, das propostas
inviáveis formuladas por pseudo especialistas em desenvolvimento
agrícola e da ineficiência do Estado. Esta minoria, que com
certeza não chega a 10% dos produtores rurais, foi a que, em grande
medida, contribuiu à duplicação aqui descrita. Esta
minoria decidiu ignorar a retórica populista/demagógica/paternalista
e tomar, em suas próprias mãos, a correção
das ineficiências do agronegócio, fazendo-o dentro das suas
propriedades e, em certos casos, organizando-se para fazê-lo fora
das porteiras das mesmas. Os agricultores que protagonizaram esta "revolução"
produtiva foram merecidamente premiados com um grande êxito econômico;
não porque as políticas tenham sido favoráveis ou
porque os governos tenham sido generosos na injeção de recursos
à agricultura, mas sim porque eles se tornaram mais eficientes.
No entanto, ainda não podemos entusiasmar-nos com este êxito,
porque ele é muito parcial e excludente.
É parcial porque os agricultores que já atingiram essa maior
eficiência ainda podem tornar-se muito mais eficientes e, conseqüentemente,
muito mais bem sucedidos na atividade agrícola. Para isto necessitam
executar uma segunda etapa de inovações, cuja concretização,
a exemplo do que ocorreu na etapa anterior, também depende muito
mais deles mesmos que dos seus respectivos governos. Nesta segunda etapa,
necessitarão: aumentar ainda mais os seus rendimentos por unidade
de terra e de animal, diversificar a produção para reduzir
a dependência do crédito rural e para evitar riscos desnecessários,
diminuir perdas durante e depois da colheita, melhorar a qualidade dos
seus produtos e incorporar-lhes valor, racionalizar a administração
das suas propriedades para eliminar superdimensionamentos e ociosidades
nelas existentes e, especialmente, corrigir os erros que eles continuam
cometendo tanto na aquisição dos insumos como na comercialização
dos seus excedentes. Se eles executarem esta segunda etapa, atingirão
a denominada eficiência total ou integral, que é o único
"passaporte" capaz de assegurar-lhes rentabilidade e competitividade;
os que o fizerem terão crescente êxito econômico na
agricultura, independente do que façam ou deixem de fazer os governos
dos países ricos, os organismos internacionais e os governos brasileiros,
federal, estaduais e municipais.
É excludente porque os outros 90% de agricultores, muito mais por
falta de conhecimentos que de decisões políticas, ainda
são vítimas de desatualizados "especialistas e líderes"
rurais, que continuam iludindo-os com obsoletas, utópicas e ineficazes
ajudas paternalistas e mantendo-os no círculo vicioso da ineficiência,
da dependência e da pobreza rural. Tais "especialistas"
e "líderes" continuam propondo que os agricultores mendiguem
créditos que não conseguirão devolver e cestas básicas
que apenas alimentarão o seu sentimento de incapacidade; em vez
de recomendar-lhes que exijam dos seus governos uma educação
rural de qualidade que ensine, a eles e aos seus filhos, os conhecimentos
úteis, as aptidões e as atitudes que necessitam adquirir
para que eles também possam fazer algo similar ao que fizeram os
agricultores inovadores; e, através desta medida realista, tornem-se
menos dependentes de um Estado que, sejamos realistas, está cada
vez mais debilitado, empobrecido e inoperante.
Definitivamente, a má qualidade e a disfuncionalidade do nosso
sistema educativo rural (escolas fundamentais rurais, escolas agrotécnicas,
faculdades de ciências agrárias e serviços de extensão
rural ) é a causa mais profunda da pobreza e do subdesenvolvimento
rural. Os seus conteúdos curriculares e os seus métodos
de ensino deverão ser submetidos a uma radical transformação
de realismo, de objetividade, de pragmatismo e de adequação
às verdadeiras necessidades das famílias rurais. Os referidos
conteúdos deverão ser úteis para que sejam aplicáveis,
pelos próprios educandos, na correção das ineficiências
e na solução dos problemas que eles enfrentam na vida cotidiana
dos seus lares, propriedades, comunidades e mercados rurais. Depois que
isto ocorrer, os atuais excluídos saberão construir a sua
inclusão ao mundo da eficiência e da prosperidade.
E, para concluir, a seguinte reflexão: proporcionar
aos agricultores os conhecimentos necessários para que eles mesmos
possam resolver os seus problemas é a solução de
maior eficácia e de menor custo; e, por que não dizê-lo,
para os governos debilitados e empobrecidos este é o único
caminho possível para que o desenvolvimento rural com eqüidade
deixe de ser um enunciado de boas intenções e passe a ser
uma possibilidade concreta.
Na Página web http://www.polanlacki.hpg.com.br estão incluídos
vários artigos que: a)- demonstram que os próprios agricultores,
se possuíssem os conhecimentos necessários, poderiam solucionar
os seus problemas com mínima dependência da ajuda estatal;
e b)- indicam quais são as medidas tecnológicas, gerenciais
e organizacionais que eles poderiam adotar para construir a sua emancipação.
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